Meu pai, Emir Macedo Nogueira, estudou latim.
Era um conhecedor profundo do português. Durante anos, ele manteve na Folha de S. Paulo uma coluna chamada A Língua Nossa de Cada Dia, em que abordava o português do cotidiano das pessoas.
Papai costumava dizer que a língua portuguesa é, acima de tudo, generosa. Há poucos pontos em que ela é irredutível, e não dá alternativas a quem a usa.
Lembro que certa vez, muitos anos atrás, meu pai falou sobre o emprego de presidente ou presidenta para a líder argentina Isabelita Perón.
As duas formas, explicou meu pai, são aceitáveis e defensáveis, e ali estava um pequeno exemplo da generosidade do português.
Fiz este introito porque soube, por meu irmão, que Míriam Leitão, numa entrevista, encrencou com Alckmin porque ele se referiu a Dilma como “presidenta”.
Fui atrás do vídeo para conferir.
Míriam Leitão, que até então cumulava Alckmin de sorrisos e engolia passivamente todos os números que ele lhe enfiou para tentar explicar a seca de São Paulo, ficou brava com o “presidenta”.
Segundo ela, quem chama Dilma de presidenta é petista. Me pareceu que ela fez uma careta ao falar “petista”, mas pode ter sido impressão apenas.
Alckmin se saiu muito bem. Disse que chama as pessoas como elas gostam de ser chamadas.
Se a série confusa de estatísticas que ele apresentou para Míriam Leitão não resolve a falta de água dos paulistas, sua atitude civilizada ao explicar por que “presidenta” merece aplausos.
Míriam Leitão, em compensação, faz jus a vaias de pé.
Se a língua portuguesa é generosa, como falava um dos jornalistas que a conheciam com mais profundidade, Míriam Leitão mostrou pequenez e mesquinharia.
Os jornalistas que decidiram chamar Dilma de “presidente” têm, vamos ser francos, razões muito mais ideológicas do que vernaculares.
Eles são mais versados no “odiojornalismo”, para usar a expressão da pesquisadora Ivana Bentes, do que no português.
Não estão protegendo a língua com o “presidente Dilma”. Estão atacando Dilma, gratuita e maldosamente.
Imagine, apenas a título de exercício, que a mulher de Roberto Irineu Marinho assume a presidência da Globo.
Pense agora que ela gostaria de ser tratada como “presidenta”.
Como Míriam Leitão se dirigiria a ela?
Fiquemos em Roberto Irineu. Digamos que ele queira que o tratem não como presidente da Globo, mas como CEO. E então, como os bravos jornalistas da Globo se refeririam ao chefe? Numa confusa justificativa, Míriam Leitão disse que “presidente Dilma” é “mais normal” que “presidenta Dilma”.
E “CEO Roberto Irineu Marinho”, caso ele decidisse adotar esse título: é “menos normal”? Míriam Leitão, em nome dessa abstrusa normalidade, insistiria em dizer “presidente Roberto Irineu”?
Alckmin deu uma lição de boas maneiras não apenas a Míriam Leitão, mas a todos os jornalistas que só chamam Dilma de “presidente” para importuná-la.
Faltam bons modos a eles – e também conhecimento de português para sustentar seu déficit civilizatório.