A lição de jornalismo de Padura no Roda Viva. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 21 de julho de 2015 às 15:37
Ela dissertou sobre o país dele
Ela dissertou sobre o país dele

Uma das melhores lições recentes de jornalismo no Brasil foi dada, involuntariamente, pelo escritor cubano Leonardo Padura no Roda Viva em que foi entrevistado.

Uma repórter da Veja, num vídeo que viralizou e provocou amplo escárnio na internet, perguntou a ele, acusatória, sobre a “fome” em Cuba.

Sintetizei, porque a jornalista, confusa e prolixa, demorou um enorme tempo para chegar a seu ponto.

Padura ouviu pacientemente.

Depois, disse que aprendeu na vida a não falar da realidade de um país em que não viva.

Clap, clap, clap.

De pé.

Jornalistas passam uma semana num lugar e depois se acham em condições de fazer um mestrado.

Presenciei uma história típica em minha carreira.

Cerca de vinte anos atrás, um jornalista que eu chefiava na Abril, José Ruy Gandra, foi passar uma semana em Jerusalém.

Na volta, entrou entusiasmado em minha sala e disse: “Vou escrever um guia sobre Jerusalém!”

Eu respondi: “Nasci e vivo desde sempre em São Paulo, e não me sinto em condições de fazer um guia da cidade. Com uma semana de Jerusalém você quer escrever um guia?”

Ele desistiu da ideia.

Bem, Padura, no Roda Viva, fez com a repórter da Veja mais o menos o que eu fiz com Gandra.

Quanto tempo ela terá passado em Cuba? Dois dias? Três? Uma semana? E se acha em condições de dissertar sobre a fome cubana?

Se pesquisasse, ela saberia que não faz sentido falar em “fome” em Cuba.

Em países famintos, uma das consequências fatais é a baixa expectativa de vida.

Cuba tem uma das maiores taxas de longevidade do mundo: 80 anos. No Brasil, a expectativa de vida é de 70 e poucos anos. Mesmo nos opulentos Estados Unidos se vive, em média, menos que em Cuba.

Paradoxalmente, a jornalista da Veja viveria mais se tivesse nascido em Cuba. (Pausa para rir.)

Considere outro indicador: o índice de mortalidade de crianças com menos de cinco anos.

No México, este índice é de 21,1 por mil habitantes. Nos Estados Unidos, é de 7,9. Em Cuba, 6,8.

Isso tudo Cuba alcançou sob um embargo inclemente de meio século dos Estados Unidos.

Depois de ensinar a jornalista que você não deve perorar sobre realidades desconhecidas, Padura deu uma aula de humor fino.

“Há mais fome num quarteirão de São Paulo do que em toda Cuba”, disse.

Mais uma vez, clap, clap, clap.

De pé.