Meu irmão José Roberto, professor de matemática, tenista consagrado no Caxingui cuja carreira promissora foi abreviada por uma traiçoeira canelite, definiu Jesus Cristo como “lindo e brutal, não necessariamente nessa ordem”.
Zé lamentava os rompimentos familiares por conta da adoração cega e estúpida ao apóstolo do ódio Jair Bolsonaro.
Primos de primeiro e segundo grau, cunhados, tios e tias mais ou menos distantes que saíram do armário do fascismo, com os quais tornou-se impossível conviver.
Você também passou por isso, eu sei.
Mas, antes de ficar triste, pense no que Jesus falou.
Não precisa ser cristão, evidentemente. Basta não ser obtuso.
Segundo o Evangelho de São Mateus, ele estava pregando quando foi procurado por Maria, que estava acompanhada dos filhos.
Queriam que ele fosse embora.
Ao ser informado disso, Jesus respondeu na lata: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?”
Apontou para todos os que ali estavam e disse: “Eis minha mãe e meus irmãos”. Fim de papo.
JC põe para correr sua genitora, Nossa Senhora, e os manos. Terrível. Especialmente para um bom menino judeu.
É doloroso, mas as ligações consanguíneas não valem per se.
O amor, a compreensão, a inteligência, a empatia (a agricultura celeste e o coração, canta Jorge Ben) não estão no sobrenome.
Sua família — a nossa — é o mundo.
Saramago descreve assim a cena:
Devo falar-te, Fala, então, Trago recado da nossa mãe, Estou a ouvir-te, Preferia dar-to a sós, Ouviste o que eu disse. Maria de Magdala deu dois passos, Posso retirar-me para onde não vos oiça, disse, Não há na minha alma um pensamento que não conheças, é portanto justo que saibas que pensamentos teve minha mãe a meu respeito, assim pouparme-ás o trabalho de tos contar depois, respondeu Jesus. A irritação fez subir o sangue à cara de Tiago, que deu um passo atrás, como para retirar-se, ao mesmo tempo que lançava a Maria de Magdala um olhar de cólera, mas onde se percebia também um sentimento confuso, de cobiça e rancor. No meio dos dois, José estendia as mãos para retê-los, era tudo quanto podia fazer. (…)
Que resposta devo levar à nossa mãe, Diz-lhe que as palavras do seu recado chegaram tarde de mais, que essas mesmas palavras as soube dizer a tempo José e ela não as tomou para si, e que ainda que um anjo do Senhor lhe apareça a confirmar tudo quanto eu vos narrei, convencendo-a enfim a ela a vontade do Senhor, a casa não tornarei, Caíste em pecado de orgulho, Uma árvore geme se a cortam, um cão gane se lhe batem, um homem cresce se o ofendem, É tua mãe, somos teus irmãos, Quem é a minha mãe, quem são os meus irmãos, meus irmãos e minha mãe são aqueles que creram na minha palavra na mesma hora em que eu a proferi, meus irmãos e minha mãe são aqueles que em mim confiam quando vamos ao mar para do que lá pescam comerem com mais abundância do que comiam, minha mãe e meus irmãos são aqueles que não precisem esperar a hora da minha morte para se apiedarem da minha vida, Não tens outro recado para levar (…) Vamo-nos, Maria, os barcos estão a sair para a pesca, os cardumes reúnem-se, é tempo de ceifar esta seara.
Lindo, brutal e libertador, como diz o Zé.
Amém.