POR MIGUEL ENRIQUEZ, de Brasília.
Aos 67 anos de idade, o jornalista Augusto Nunes foi contratado pela rádio Jovem Pan no início deste ano para uma espinhosa missão: preencher a vaga aberta com a demissão do repórter investigativo de direita Claudio Tognolli no programa matinal de variedades da emissora, o Morning Show.
Biógrafo oficial de personalidades impolutas como o delegado Romeu Tuma Jr. e o cantor Lobão, Tognolli caíra em desgraça, supostamente, como ele mesmo revelou, por ter se indisposto com Reinaldo Azevedo, hoje na Bandeirantes, à época a estrela maior da guinada ultraconservadora da rádio, aprofundada a partir de 2014 pelo herdeiro e atual presidente da Pan, Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o “Tutinha”.
Ironicamente, Nunes, que também dá seus pitacos no noticioso Jornal da Manhã, foi apresentado aos ouvintes do Morning Show como uma voz que iria reforçar a diversidade ideológica do programa (pausa para uma gargalhada).
Afinal, quem acompanha suas múltiplas carreiras (blogueiro da Veja, âncora do Roda Viva e apresentador do programa Os Livres, da TV Cidade Verde, afiliada da Bandeirantes, no Mato Grosso) acostumou-se com as raivosas diatribes antipetistas do personagem.
Por sua vez, numa emissora que abrigou e/ou abriga, profissionais do calibre de Rachel Sheherazade, Marco Antonio Villa e do próprio Azevedo, Nunes sentiu-se em casa.
Um dos pontos altos de sua trajetória nestes poucos meses a serviço da Jovem Pan foi seu posicionamento de absoluto apoio à brutal intervenção policial promovida pelo governador Geraldo Alckmin e pelo prefeito João Dória na cracolândia, no domingo, 21 de maio, um dos pilares da política higienista da dupla tucana, a internação compulsória dos usuários de drogas da região, criticado por 10 entre 10 autoridades em saúde pública, à frente o médico Drauzio Varella.
Ao deitar falação sobre o tema, Nunes criticou os opositores dessas medidas, acusando-os de completo desconhecimento desse grave problema de saúde pública. Ao mesmo tempo, apresentou-se como uma espécie de autoridade no assunto, esgrimindo o fato de residir nas vizinhanças da cracolândia, isto é, na avenida São Luiz, um dos endereços mais caros da capital paulista (seria o mesmo que alguém que morasse nas imediações de um quartel se arvorasse em autoridade na arte da guerra ou do vizinho de um hospital que pretendesse sair receitando tratamentos a seus amigos e parentes).
Outra pérola da figura aconteceu na edição desta quarta feira, 14, no Morning Show, por conta da denúncia da jornalista Miriam Leitão, que supostamente teria sido vítima de assédio e ofensas de militantes do Partido dos Trabalhadores num voo da Avianca.
Ao comentar o episódio, os integrantes do programa, Nunes entre eles, atribuíram a responsabilidade ao ex-presidente Lula, que teria insuflado a militância contra Miriam, em um discurso durante o Congresso do PT na semana passada – na verdade, Lula ridicularizou a funcionária da Globo, criticando-a pelas sucessivas bolas fora em seus comentários sobre economia.
Para reforçar o que acredita ser um viés antidemocrático do ex-presidente, Nunes mencionou o caso da analista Sinara Polycarpo, demitida pelo Santander, após Lula pedir sua cabeça, por enviar aos clientes do banco um relatório com projeções pessimistas para a economia brasileira diante de uma eventual vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais.
Detalhe: tratava-se, na verdade, da reeleição de Dilma e a demissão de Sinara ocorreu em julho de 2014, quatro anos depois de Lula ter deixado a presidência da República.
Além de cometer esse erro crasso, Nunes foi mais longe: depois de sustentar que o falecido Emilio Bottin, então presidente do banco espanhol, foi obrigado a colocar a funcionária no olho da rua, propôs que a indenização de R$ 450 mil obtida por ela na Justiça do Trabalho fosse bancada por Lula.