Em sua contundente resposta à Folha por conta do editorial indigente intitulado “Jair Rousseff”, Dilma disse que o jornal ‘falsifica a história recente do país’.
Ela lembrou do caso da sua ficha falsificada do Dops, “que uma perícia independente mostrou ter sido montada grosseiramente para sustentar acusação falsa de um site fascista”.
O tal site se chamava Ternuma (acrônimo para “Terrorismo Nunca Mais”) e era ligado a um grupo de militares, ex-militares e seus familiares, revisionistas do regime militar.
Em 2002, Míriam Leitão contou ter recebido ameaças de morte desse bando.
“Mesmo desmascarada pela prova de que era uma fraude, a Folha, de forma maliciosa, depois de admitir que errou ao atribuir ao Dops uma ficha obtida na internet, reconheceu que todos os exames indicavam que a ficha era uma montagem, mas insistiu: ‘sua autenticidade não pôde ser descartada’”, escreveu Dilma.
“Quem acredita que as redes sociais inventaram as fake news desconhece o que foi feito pela grande imprensa no Brasil – a Folha inclusive”.
O episódio ocorreu em 2009 e é um dos maiores vexames na história da imprensa brasileira.
Abaixo, a matéria do Observatório de Imprensa a respeito dessa falsificação grosseira:
A Folha de S. Paulo reconheceu neste sábado (25/4) que publicou, na edição de 5 de abril, junto com reportagem que tratava de um suposto plano para sequestrar o então ministro Delfim Netto, um documento falso sobre a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O reconhecimento do jornal é boa notícia, mas poderia ter sido mais elegante. ‘Autenticidade de ficha de Dilma não é provada’, diz o título da matéria reproduzida abaixo.
Ora, o jornal informa que a ficha publicada foi recebida por e-mail, está no site ultradireitista Ternuma e não existe no Arquivo Público do Estado de São Paulo, onde estariam guardados os documentos do Dops. O correto, portanto, seria dizer que a ficha é falsa, pura e simplesmente.
O reconhecimento envergonhado do erro só piora as coisas para a Folha, que por sinal não deu o mesmo espaço para desfazer o equívoco do que ele mereceu na edição de 5 de abril, quando teve chamada na primeira página do jornal. Errar é humano, reconhecer o erro é obrigação de quem erra. Com igual espaço e destaque, de preferência.
Além da questão do espaço e destaque, cabe notar que a Folha marotamente publicou, abaixo da matéria sobre o erro da ficha, uma reportagem sobre a ‘volta’ de Delúbio Soares ao PT. Cabia ali, claro, Dilma também é petista, mas é impossível não perceber a mão leve da editorialização do noticiário. É quase como se o jornal confessasse: ‘errei, mas este PT não presta mesmo…’.
A errata da Folha:
Autenticidade de ficha de Dilma não é provada
‘Folha tratou como autêntico documento, recebido por e-mail, com lista de ações armadas atribuídas à ministra da Casa Civil
A Folha cometeu dois erros na edição do dia 5 de abril, ao publicar a reprodução de uma ficha criminal relatando a participação da hoje ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no planejamento ou na execução de ações armadas contra a ditadura militar (1964-85).
O primeiro erro foi afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o ‘arquivo [do] Dops’. Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada -bem como não pode ser descartada.
A ficha datilografada em papel em tom amarelo foi publicada na íntegra na página A10 e em parte na Primeira Página, acompanhada de texto intitulado ‘Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim Netto’.
Internamente, foi editada junto com entrevista da ministra sobre sua militância na juventude. Sob a imagem, uma legenda ressaltou a incorreção dos crimes relacionados: ‘Ficha de Dilma após ser presa com crimes atribuídos a ela, mas que ela não cometeu’.
O foco da reportagem não era a ficha, mas o plano de sequestro em 1969 do então ministro Delfim Netto (Fazenda) pela organização guerrilheira à qual a ministra pertencia, a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares). Ela afirma que desconhecia o plano.
Em carta enviada ao ombudsman da Folha anteontem, Dilma escreve: ‘Apesar da minha negativa durante a entrevista telefônica de 30 de março (…) a matéria publicada tinha como título de capa ‘Grupo de Dilma planejou sequestro do Delfim’. O título, que não levou em consideração a minha veemente negativa, tem características de ‘factóide’, uma vez que o fato, que teria se dado há 40 anos, simplesmente não ocorreu. Tal procedimento não parece ser o padrão da Folha.’
A reportagem da Folha se baseou em entrevista gravada de Antonio Roberto Espinosa, ex-dirigente da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e da VAR-Palmares, que assumiu ter coordenado o plano do sequestro do ex-ministro e dito que a direção da organização tinha conhecimento dele.
Três dias depois da publicação da reportagem, Dilma telefonou à Folha pedindo detalhes da ficha. Dizia desconfiar de que os arquivos oficiais da ditadura poderiam estar sendo manipulados ou falsificados.
O jornal imediatamente destacou repórteres para esclarecer o caso. A reportagem voltou ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, que guarda os documentos do Dops. O acervo, porém, foi fechado para consulta porque a Casa Civil havia encomendado uma varredura nas pastas. A Folha só teve acesso de novo aos papéis cinco dias depois.
No dia 17, a ministra afirmou à rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, que a ficha é uma ‘manipulação recente’.
Na carta que enviou ao ombudsman, Dilma escreveu: ‘Solicitei formalmente os documentos sob a guarda do Arquivo Público de São Paulo que dizem respeito a minha pessoa e, em especial, cópia da referida ficha. Na pesquisa, não foi encontrada qualquer ficha com o rol de ações como a publicada na edição de 5.abr.2009. Cabe destacar que os assaltos e ações armadas que constam da ficha veiculada pela Folha de S. Paulo foram de responsabilidade de organizações revolucionárias nas quais não militei. Além disso, elas ocorreram em São Paulo em datas em que eu morava em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro. Ressalte-se que todas essas ações foram objeto de processos judiciais nos quais não fui indiciada e, portanto, não sofri qualquer condenação. Repito, sequer fui interrogada, sob tortura ou não, sobre aqueles fatos.’
A ministra escreveu ainda: ‘O mais grave é que o jornal Folha de S.Paulo estampou na página A10, acompanhando o texto da reportagem, uma ficha policial falsa sobre mim. Essa falsificação circula pelo menos desde 30 de novembro do ano passado na internet, postada no site www.ternuma.com.br (‘terrorismo nunca mais’), atribuindo-me diversas ações que não cometi e pelas quais nunca respondi, nem nos constantes interrogatórios, nem nas sessões de tortura a que fui submetida quando fui presa pela ditadura. Registre-se também que nunca fui denunciada ou processada pelos atos mencionados na ficha falsa.’
Fontes
Dilma integrou organizações de oposição aos governos militares, entre as quais a VAR-Palmares, um dos principais grupos da luta armada. A ministra não participou, no entanto, das ações descritas na ficha. ‘Nunca fiz uma ação armada’, disse na entrevista à Folha de 5 de abril. Devido à militância, foi presa e torturada.
Na apuração da reportagem do dia 5, o jornal obteve centenas de documentos com fontes diversas: Superior Tribunal Militar, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Público Mineiro, ex-militantes da luta armada e ex-funcionários de órgãos de segurança que combateram a guerrilha.
Ao classificar a origem de cada documento, o jornal cometeu um erro técnico: incluiu a reprodução digital da ficha em papel amarelo em uma pasta de nome ‘Arquivo de SP’, quando era originária de e-mail enviado à repórter por uma fonte.
No arquivo paulista está o acervo do antigo Dops, sigla que teve vários significados, dos quais o mais marcante foi Departamento de Ordem Política e Social. Na ditadura, era a polícia política estadual.
Entre as imagens reproduzidas pelo arquivo, a pedido da Folha, não estava a ficha. ‘Essa ficha não existe no acervo’, diz o coordenador do arquivo, Carlos de Almeida Prado Bacellar. ‘Nem essa ficha nem nenhuma outra ficha de outra pessoa com esse modelo. Esse modelo de ficha a gente não conhece.’
Pelo menos desde novembro a ficha está na internet, destacadamente em sites que se opõem à provável candidatura presidencial de Dilma.
O Grupo Inconfidência, de Minas Gerais, mantém no ar uma reprodução da ficha. A entidade reúne militares e civis que defendem o regime instaurado em 1964. Seu criador, o tenente-coronel reformado do Exército Carlos Claudio Miguez, afirma que a ficha ‘está circulando na internet há mais de ano’. Sobre a autenticidade, comentou: ‘Não posso garantir. Não fomos nós que a botamos na internet’.
Pesquisadores acadêmicos, opositores da ditadura e ex-agentes de segurança, se dividem. Há quem identifique indícios de fraude e quem aponte sinais de autenticidade da ficha. Apenas parte dos acervos dos velhos Dops está nos arquivos públicos. Muitos documentos foram desviados por funcionários e hoje constituem arquivos privados.’