A operação Monte Pollino da Polícia Federal apreendeu 1,3 tonelada de coca e 760 mil dólares no dia 20 de março, em São Paulo. A droga seguiria de Santos para a Europa, sob o comando da ‘Ndrangheta (Andrángueta) calabresa, a máfia que deixou as outras pra trás.
No mesmo dia a operação Buongustaio – gastrônomo ou boa vida – da Polícia Financeira italiana apreendeu duas toneladas provenientes do Brasil, Peru, Equador e Colômbia no porto calabrês de Gioia Tauro, em Reggio Calabria. A PF e a polícia italiana trabalharam em cooperação. Uma brasileira foi identificada como a gerente financeira da `Ndrangheta no Brasil.
Uma semana antes, Federica Gagliardi, a dama de branco, foi presa no aeroporto de Roma com 24 quilos de cocaína na bagagem, sem disfarce algum.
Mas não foi por isso que ela ficou famosa como “a dama de branco”.
A fama vem da roupa que ela usava ao acompanhar o ex-eterno-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi em sua viagem ao Canadá, Panamá e Brasil em junho de 2010.
Pelo twitter, o escritor italiano Roberto Saviano – autor de Gomorra e Zero Zero Zero, livros que denunciam a atuação das máfias italianas – perguntou:
“Os traficantes usam muito os voos diplomáticos. Será que ela usou os voos de Berlusconi pra isso?”
Além da insinuante companhia que despertou as atenções na cúpula do G8 em Toronto, Berlusconi veio acompanhado de Valter Lavítola, seu representante extraoficial para a América Latina, ainda que sob os protestos do então ministro da Fazenda Giulio Tremonti. “Quem é esse Lavítola, que se apresenta no Brasil e no Panamá em nome do governo italiano?”, reclamou o ministro ao primeiro-ministro.
Afinal, quem é ele?
Ex-diretor do ex-jornal L’Avanti, do ex-partido socialista italiano, Lavítola é mais famoso por seu envolvimento nos processos de favorecimento à prostituição – inclusive de menores – em que o réu é o próprio Berlusconi.
O PSI, pra quem não lembra, acabou com o governo de Bettino Craxi, que fugiu do país para não ser preso por corrupção, deixando as portas abertas e as cadeiras vazias para seu aliado Silvio Berlusconi, dono de um império de comunicações sempre ajudado por Craxi e vice-versa.
E o que ele fazia no Panamá e no Brasil?
O de sempre. Negócios altamente suspeitos, incluindo, como sempre, prostituição. Mas não só.
Federica Gagliardi estava hospedada no mesmo Hotel Tivoli, na alameda Santos, em São Paulo, onde Lavítola promoveu uma “festa burlesca” com a presença de garotas brasileiras atraídas sob o pretexto de fazer um teste para a Mediaset, de Berlusconi. Nesse momento, porém, ela não foi a estrela da festa, como em Toronto. Recolheu-se a seus aposentos, incomodada apenas pelo megafone de Monica Iozzi, do CQC, que oferecia uma modelo seminua ao “cavaliere” na porta do hotel.
Se não bastasse, estelionato também poderia ser incluído no currículo do intemediário de Berlusconi para o Brasil e o Panamá. Mas seria um menosprezo. A principal acusação que recai sobre ele é a de tentar receber propinas pela venda de armas e fragatas produzidas pelas estatais italianas Finmeccanica e Fincantieri.
Suspeitas essas que se estenderam até ao ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, e seu colega italiano do Desenvolvimento Claudio Scajola, apontados pelo ex-presidente da Finmeccanica Paolo Pozzessere, preso em Nápoles sob a acusação de corrupção internacional.
E o que Lavítola tem a ver com o Brasil e o Panamá?
O presidente do Panamá na época era Ricardo Martinelli, de origem italiana, também acusado de corrupção por Pozzessere. Quando fugiu da Itália para evitar a prisão, acredita-se que tenha sido abrigado lá. Atualmente ambos estão presos na Itália e respondem a vários processos, inclusive um onde Lavítola é acusado por Pozzessere de exigir propinas de 18 milhões de euros por negócios de 180 milhões da Finmeccanica no Panamá.
O amigo de Berlusconi é – ou era – proprietário da Empresa Pesqueira Barra de São João, na Rodovia Amaral Peixoto 117, em Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, segundo várias fontes. A sociedade com Neire Cassia Pepe Gomes, segundo o Corriere della Sera, tem sede em Roma. Além do comércio de pescado, o editor empresário nascido em Salerno, no sul da Itália, administra outras quatro empresas, que vão da agricultura local à consultoria internacional, algumas no mesmo endereço do jornal, na Via del Corso, em Roma.
Se a passagem da dama de branco por São Paulo foi discreta, no papel de coadjuvante do espetáculo estrelado Berlusconi e seu chantagista oficial, ela foi uma estrela solitária na recente viagem de retorno de Caracas a Roma.
Desempregada do cargo político no governo da região do Lazio arrumado por seus padrinhos poderosos – Berlusconi e a ex-governadora Renata Polverini – começou a chorar assim que foi presa em flagrante, com a mala recheada de pó branco como seu vestido famoso, e declarou, sem vacilar: “Me ferraram! Não sei quem colocou isso ai!”
Antes fosse só ela. Eles ferraram e continuam ferrando muita gente – incluindo eu e você – ao longo de muito tempo, sem que a gente perceba. A infiltração do crime organizado na política, quando ocorre, não tem limites. Brasil e Itália sofrem dos mesmos males e não por acaso sentem os mesmos sintomas.
É preciso muita certeza da impunidade para desembarcar em Roma vindo de Caracas com 24 quilos de coca dentro da mala com um par de calcinhas e mais nada. Ela tinha, mas se enganou. Os procuradores de justiça italianos trabalham incessantemente, mas as máfias trabalham muito mais, no mundo inteiro. Com cada vez maior poder de corrupção.
Com a derrocada dos cartéis colombianos as máfias italianas e os cartéis mexicanos fizeram um upgrade. A ‘Ndrangheta conseguiu penetrar na Colômbia e realizar seus negócios sem intermediários, graças à sua estrutura familiar de controle dos territórios onde atua. Os traficantes mexicanos tornaram-se mais poderosos do que os produtores colombianos devido à proximidade do mercado consumidor americano.
O receio dos italianos agora é que os mexicanos invadam a Europa também. O Brasil – como a Monte Pollino acabou de demonstrar – já foi invadido pelos calabreses.
O que torna a `Ndrangheta perigosa e poderosa é a sua estrutura ramificada, formada pelas “`ndrinas”, os núcleos familiares. Os laços de sangue contam muito para a `ndrangheta, e por isso ela consegue se infiltrar no mundo inteiro onde haja descendentes de descendentes de calabreses e seus homens de confiança.
Para vencer a concorrência eles não vão exitar em comprar ninguém. Desde mulas da mais alta sociedade até assessores do primeiro escalão de governo. Se possível, até senadores, presidentes ou chanceleres.
Da lado de lá e do lado de cá.
Depois dessa estréia hollywoodiana, a `Ndrangheta vai ser cada vez mais famosa no Brasil.
Estamos ferrados.