Por Leonardo Sakamoto
Acusado de desviar grana pública via rachadinha de salários dos funcionários fantasmas de seu gabinete na Câmara dos Deputados por anos, Bolsonaro, ao que tudo indica, levou o mesmo comportamento trambiqueiro para a Presidência da República, usando amigos e assessores no desvio e venda de joias dadas ao Estado.
Mas o que os diálogos entre o tenente-coronel Mauro Cid e sua turma estão revelando é que, a mando do patrão, servidores públicos fizeram um verdadeiro “Família Vende Tudo” para transformar patrimônio público em cascalho a fim de tilintar no bolso do presidente.
Em um áudio, o coronel Marcelo Câmara, assessor de Bolsonaro, explica para o ajudante de ordens Mauro Cid que Marcelo da Silva Vieira, chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, disse que era necessário aviso prédio para a venda de bens destinados ao acervo privado do ex-presidente.
Cid aceita, mas indagou: “Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”. Câmara concorda e ironiza: “O problema é depois justificar e para onde foi. De eu informar para a comissão da verdade. Rapidamente vai vazar”.
Para o ministro Alexandre de Moraes, “as mensagens evidenciam que, além da existência de um esquema de peculato para desviar ao acervo privado do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, os presentes de alto valor recebidos de autoridades estrangeiras, para posterior venda e enriquecimento ilícito do ex-presidente, Marcelo Câmara e Mauro Cid tinham plena ciência das restrições legais da venda dos bens no exterior”.
Em outra situação que prova que a crise é ética, mas também estética, o tenente-coronel Mauro Cid, enviou para outro investigado no caso, o seu próprio pai, o general Mauro Lourena Cid, endereços de lojinhas de ouro na Flórida para ele cotar a muamba, quer dizer, os presentes dados pela ditadura saudita ao Brasil.
As fotos, que estão na decisão do ministro Alexandre de Moraes, que autorizou uma operação de busca e apreensão nos endereços do general Cid, do tenente Osmar Crivelatti e do advogado Frederick Wasseff, são semelhantes a duvidosos comércios “Compro Ouro” presentes em grandes cidades brasileiras. Faltou apenas o homem-placa.
E por que a Flórida? O general, amigo de Bolsonaro e seu colega na Academia Militar das Agulhas Negras, morava no Estado norte-americano por ter ganho do ex-presidente a chefia do escritório brasileiro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Miami. Sim, o Brasil estava pagando o salário de um graduado militar agora investigado em um caso de lavagem de dinheiro.
Aliás, em uma troca de mensagens de 18 de janeiro deste ano, Cidinho disse a outro auxiliar de Jair que Cidão estava com cascalho para entregar ao presidente. E que seguindo a melhor tradição de Bolsonaro, que tem horror ao sistema bancário, o melhor era evitar contas.
“Tem 25 mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ (dinheiro vivo) aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (…). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né? (…)”, disse Cid.
Vale lembrar que Bolsonaro estava passando uma temporada em Orlando nessa época. Viajou preventivamente para evitar evitar ser envolvido nos atos golpistas que ocorreriam sete dias após a posse de Lula.
O ministro Alexandre de Moraes, na decisão que autorizou busca e apreensão em endereços de suspeitos de intermediar a venda de joias surrupiadas do patrimônio do povo brasileiro, afirmou que há evidência de que o esquema tenha partido de “determinação de Jair Bolsonaro”.
O trambique da venda de joias surrupiadas não complica apenas a vida de Cidinho, que segue preso acusado de hackear cartões de vacina, de Cidão, um renomado general reduzido a muambeiro por causa de Jair e do Exército que prefere fazer cara de paisagem do que depurar suas fileiras (shame… shame… shame…), entre outros envolvidos no Família Vende Tudo. Põe também Bolsonaro na antessala do xilindró.
E, ao contrário de apoiar garimpeiro e desmatador ilegais, atuar para armar a população, dar declarações xenófobas, racistas e machistas e agir em nome do negacionismo científico permitindo 700 mil mortes na pandemia, surrupiar joias do Brasil e vendê-las para enriquecimento próprio, fazendo para si um “bezerro de ouro” (lembra do Êxodo, capítulo 32?) pega mal com uma parte do seu eleitorado.
Aquele que acha que toda família pode vender muita coisa, menos os seus princípios.
Publicado no UOL