Publicado originalmente no Cran.
A famosa “Marselhesa” será cantada de cor por toda a França durante a Copa do Mundo.
Se os próprios jogadores vão se juntar ao coro de um hino que remonta ao tempo das guerras revolucionárias francesas é outra questão.
Alguns jogadores, nomeadamente Karim Benzema, que é de origem argelina, foram criticados no passado, principalmente por gente mais à direita, por não estufar o peito para cantar a letra poderosa.
Na semana passada, o ministro da Justiça da França Christiane Taubira, que nasceu na Guiana Francesa, foi criticada pelo mesmo motivo.
A líder da Frente Nacional Marine Le Pen disse que a recusa de Taubira em cantar o hino e, em seguida, compará-lo a um karaoke mostrou “desprezo pela França”. Outros dizem que a culpa da controvérsia em torno da “Marselhesa” tem a ver, mesmo, com a música em si.
A canção, escrita em 1792 como uma canção de guerra para reunir as tropas francesas lutando contra exércitos estrangeiros, não seria mais apropriada à França moderna, pacífica e multi-étnica.
Pedidos para mudar o hino partiram recentemente do ator francês Lambert Wilson, que fez a abertura do Festival de Cannes.
Wilson chamou a “Marselhesa” de “racista” e “xenófoba”.
“É hora de mudar a letra, que é de outro tempo”, disse Wilson. “Quando eu ouço as palavras ‘sangue impuro a regar nossos campos”, admira-me que continuemos a cantá-la. Os versos são terríveis e sangrentos. A música é fantástica, mas há muitas palavras que você não pode ouvir”.
O ator não é o primeiro a sugerir isso. Uma organização criada chamada “La Nouvelle Marseillaise” quer a letra alterada para ser mais apropriada à democracia moderna francesa.
O presidente da organização, Christian Guillet, disse que entende por que jogadores de futebol e políticos não queiram cantar.
“Não é um hino que faça sentido na França de hoje. Era apropriado durante um tempo de guerra, mas deve agora ser adaptado”, afirma.
“A França não mudou apenas etnicamente, mas como sociedade, e precisa de um hino que reflita essas mudanças”.
Várias personalidades francesas do passado tiveram problemas com a música. Victor Hugo , o líder socialista francês Jean Jaurès e o cantor Serge Gainsbourg — que escreveu sua própria versão reggae em 1979 –, todos achavam que a “Marselhesa” precisava de uma reforma.
Quando o poeta e performer francês Léo Ferré escreveu sua própria “Marselhesa” em 1967, na qual ele compara o hino nacional a uma prostituta, usando letras explícitas, provocou a ira dos conservadores.
Esses mesmos conservadores também ficaram enfurecidos com a forma como a “Marselhesa” foi tratada em vários eventos esportivos.
Em 2001, antes do jogo entre a França e a Argélia, em Paris, o hino foi recebido com vaias ensurdecedoras das arquibancadas, provocando indignação entre os políticos franceses e apelos para que fosse ensinado em todas as escolas.
Um ano depois, houve cenas semelhantes na final entre o Lorient, uma equipe da Bretanha, e o Bastia da Córsega, o que levou o então presidente Jacques Chirac a deixar o estádio e o jogo a ser adiado em 15 minutos.
Louis-Georges Tin, presidente do Conselho Representativo de Associações de Negros da França, concorda que a letra “xenófoba” é um problema, mas não é o principal quando se trata da “Marselhesa”.
“A verdadeira questão é como vamos lutar contra a xenofobia na França. Se nós mudarmos a letra, o problema seria exatamente o mesmo aqui”, disse Tin. “Se as pessoas não a cantarem, gente como Christiane Taubira seria criticada do mesmo jeito”, declarou.
“Eu não vejo por que negros e árabes franceses sejam suspeitos de ser menos patriotas do que brancos”.
Mas nem todos concordam que o hino precise ser politicamente correto.
“Não é racista”, analisa o especialista em política francesa Jean-Yves Camus. “O hino precisa ser colocado no contexto de 1792, quando a França estava sitiada por exércitos estrangeiros. A letra é forte, mas não racista.”
Uma solução poderia ser uma “Marselhesa” alternativa. Jacline Mourand, do estado de Morbihan, disse que a França precisa de uma nova energia e acredita que sua música “France si Belle” (“França tão bonita”) serviria para isso.
“Essa canção emana uma energia que vai unir a todos em torno de um espírito mais positivo, em vez de guerreiro”, diz ela.