A medalha de Rafaela Silva, gay assumida, é um golpe na homofobia dos quartéis. Por Marcos Sacramento

Atualizado em 18 de agosto de 2016 às 9:26
Rafaela Silva
Rafaela Silva

 

Das oito medalhas conquistadas até esta quarta-feira (17) por atletas brasileiros ligados às Forças Armadas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, pelo menos uma pertence a atleta assumidamente homossexual, a judoca Rafaela Silva.

A sargento da Marinha, ganhadora do primeiro ouro brasileiro nesta Olimpíada, namora há três anos uma ex-companheira dos tatames.

Outro medalhista que prestou continência ao receber a premiação foi o terceiro sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) Arthur Nory Mariano, aquele envolvido em um episódio de racismo no ano passado, medalhista de bronze na ginástica artística.

Embora a orientação sexual de Mariano não conste no noticiário, circula pela internet a notícia do suposto caso entre ele e o modelo Federico Devito, este sim homossexual assumido. Ele negou o affair, mas não há registros de uma negativa por parte de Mariano.

A possibilidade de que o ginasta seja gay, assim como a notória orientação sexual da judoca, não inibiram manifestações orgulhosas na página do Ministério da Defesa, que publicou matéria com a proezas dos atletas.

Bem que o triunfo de Rafaela – e talvez o de Mariano – poderia ajudar a derrubar os preconceitos da corporações militares em relação aos homossexuais. Apesar de não ser expressamente proibida, a presença de gays na caserna é um tabu antigo e sem movimentos concretos no sentido de ser quebrado.

As barreiras estão implícitas, como no artigo 235 do Código Penal Militar. Com o título “Pederastia ou outro ato de libidinagem”, tipificava como crime “praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar”.

Redigido em 1969, o texto passou por mudanças que sinalizam um avanço contra a discriminação a gays e lésbicas. Por determinação do STF, em outubro do ano passado foram suprimidas as palavras “pederastia” e “homossexual”.

A alteração na redação, contudo, não significa o fim dos tabus e da hipocrisia, visto que forças nem tão ocultas operam para manter os homossexuais fardados dentro dos armários.

No início do ano passado, a assessoria parlamentar do gabinete do então comandante do Exército Enzo Peri enviou à Câmara dos Deputados uma nota desfavorável ao Projeto de Lei 7582/2014, que “define os crimes de ódio e intolerância e cria mecanismos para coibi-los”.

De autoria da deputada Maria do Rosário (PT/RS), o projeto combate a homofobia, entre outras formas de discriminação.

Segundo a nota do Exército, o PL poderá trazer “efeitos indesejáveis” para as Forças Armadas e “reflexos negativos” ao Exército. O texto não especifica quais seriam esses efeitos, mas talvez exista o temor de que a proteção da lei incentive militares homossexuais a assumirem a orientação sexual, hipótese levantada em um texto de Mauro Donato aqui no DCM.

Para fazer frente a essa repulsa, fica a continência da judoca homossexual assumida. O gesto serve para avisar que valores essenciais às práticas esportivas e militares, como dedicação, disciplina e tenacidade, entre outras, independem da orientação sexual.