No mundo dos espertos, uma cantora mediana usa cabelo de artista para se tornar artista.
A Vanessa da Mata é o benchmark atrasado e piorado da Gal Costa. No cabelão, na tessitura aguda, na dependência de bons compositores ou boas parcerias, e no espaço de mercado que ocupou.
Eis que ela consegue um patrocínio inacreditável da Nívea para fazer uns shows por aí cantando Tom Jobim. De graça, claro. Assim, há chance de um público razoável, pois a Vanessa, a troco de dinheiro, é o tipo de artista para quem você espera algo em torno de 500 pessoas num show. Bom público, claro. Para um artista que teve 2 milhões de reais investidos na carreira, já não tão bom.
Não estou afirmando sobre esse número. É o que suponho, sabendo quanto foi investido no primeiro álbum da Maria Rita e vendo tudo que foi feito, de participação do Ben Harper a publicidade em busdoor. Pode ter sido menos. Pode ter sido mais. Meu chute é esse. Foi o padrão médio das gravadoras multi-nacionais até uns 5 anos trás.
Muito bem.
Esses shows terão, só de investimento em mídia, mais do que foi gasto na carreira inteira da moça. A matemática é simples: é só observar toda a publicidade que está sendo feita para divulgar os shows, que vai de cartazes nos pontos de ônibus até inserções em horário nobre da TV Globo (onde a cada trinta segundos paga-se mais ou menos 200 mil reais). Se você contar dez inserções, já deu os R$ 2 milhões.
E então penso na Nívea e no porquê em escolher a Vanessa da Mata. Não estou dizendo que ela seja ruim, que fique claro. Ela é boa. Uma boa cantora, como tantas outras. Apenas não vale todo esse investimento. É tudo relativo. Eu, se a visse num bar na Vila Madalena, provavelmente acharia que vale a pena gravar e lançar seu disco. Por que é isso: 500 pessoas para um baixo investimento é um tremendo sucesso; para um alto, é um fracasso.
Parte do problema é a falta de outros artistas para competir com ela. A melhor cantora brasileira para mim, hoje, é a Tulipa Ruiz. É a mais interessante, não é óbvia, tem uma interpretação lindamente incômoda. Nela, o problema é o oposto – falta cuidar do cabelo. A segunda, é a Maria Gadú, que é muito boa, mas vem num momento de saturação com cantoras gays de vozeirão – a Ana Carolina tratou de arruinar esse espaço (nem sei se a Maria Gadú é gay, só estou dizendo que soa gay).
Ambas têm mercado e trabalham bastante. Mas… e depois delas? Quem vem? Falando em mainstream, só posso pensar na Mallu Magalhães. Que é boa. Mas não era pra ser a nossa terceira melhor cantora.
De volta à Vanessa, a Nívea acha que se deu bem com o negócio. Colocou uma cantora prestigiada na sua publicidade. Até aí, tudo bem. Mas quem se deu bem de verdade é a cantora, porque ela não está falando nada sobre o produto da Nívea, embora haja um acoplamento da marca na imagem da menina. Mas não é a mesma coisa de quando o Zeca Pagodinho, por exemplo, diz que gosta de Brahma. Ali ele está se expondo em nome de um produto. Ali vale o pagamento. Aqui, ela não fala nada, absolutamente nada além de “me convidaram para cantar Tom Jobim, blablabla”.
Outra parte do problema é a banalização de gastos estratosféricos com produções artísticas, graças ao problema das leis de incentivo fiscal. Sim, você leu direito. É um problema, na minha opinião. Graças a ela, uma produção como o Rei Leão custa R$ 50 milhões. Que vem de patrocinadores e do Estado, indiretamente. Mas sabe quando esse dinheiro voltaria em bilheteria? Nunca.
Esses números, então, ficam banalizados. “Vamos gastar R$ 20 milhões da nossa verba de marketing com… uni-duni-tê… Vanessa da Mata”. Para constar: essa campanha da Nívea não tem incentivos fiscais, pelo que notei. Mesmo assim, a lógica da banalização continua funcionando.
Certa vez eu ouvi de um grande produtor inglês: “always be late”. Esteja sempre atrasado. É a forma como um artista deve se comportar, na visão dele. Penso, então em uma máxima possível diante desta frase: “vista-se e comporte-se como artista, que você será um artista”.
Isso parece funcionar para a Vanessa da Mata.