O modelo neoliberal do Chile sempre foi vendido pela imprensa como vencedor.
Dava-se a entender que a ditadura de Pinochet foi um mal menor diante da evolução fantástica por que passou o país, chamado com frequência de “tigre sul-americano”.
Quarenta anos depois de sua promulgação, os chilenos enterraram a Constituição pinochetiana por dar um papel residual ao Estado na prestação de serviços básicos, motivo dos protestos que começaram em 18 de outubro de 2019 e se estenderam até março de 2020 (o estallido social).
Em setembro de 2008, a Veja fez um vaticínio: o Chile ia “entrar para o time dos países ricos” em 2020.
Esse exercício de futurologia é ilustrativo da agenda da mídia e do que a pilantragem é capaz de produzir.
Um trecho:
O Chile vive uma perspectiva de deixar os vizinhos mortos de inveja: a de entrar para o time dos países ricos em curtíssimo prazo. Mantido o ritmo atual de crescimento, faltam apenas doze anos para o país atingir 21.000 dólares de renda per capita. Esse patamar de renda – o triplo do brasileiro – é o mínimo exigido para um país ser considerado de Primeiro Mundo. VEJA foi ao Chile para conferir como vivem os primeiros latino-americanos a alcançar este nível, e conta o que viu em uma reportagem especial de sua edição desta semana.
A previsível mudança de categoria na comunidade internacional é fruto de duas décadas em que a economia chilena cresceu a uma média anual de 5,2%, superior ao índice regional de 2,6%. Nesse período, as taxas de criminalidade e de pobreza tornaram-se as mais baixas da América do Sul. Estima-se que em 2020, quando o país deve entrar no grupo dos desenvolvidos, seus indicadores sociais estejam iguais aos da Nova Zelândia, um dos melhores do mundo.
A receita de sucesso – que bem poderia ser adotada como referência pelos vizinhos – é um modelo econômico e político cuja estabilidade se mantém há duas décadas. O Equador, com a mesma população do Chile, teve sete presidentes nos últimos dez anos. A renda dos equatorianos, que na década de 80 era igual, hoje é um terço da chilena. Desde 1990, os índices de pobreza no Chile despencaram de 38,6% para 13,7% da população e a indigência está próxima de ser erradicada. Cada ponto porcentual de aumento do PIB representou uma diminuição de 1,5 ponto na taxa de pobreza.
Com a redução da pobreza, o Chile conseguiu criar uma classe média robusta. A classe C, considerada a porta de entrada para a sociedade de consumo, representa 51% da população, contra 46% no Brasil. Se morasse aqui, essa parcela de chilenos seria contada como classe A ou B, pois sua renda média familiar é quatro vezes a brasileira (2 500 dólares, contra apenas 620 dólares).
Três em cada quatro chilenos moram em casa própria. A desigualdade social, medida pelo índice Gini, ainda é alta, mas está em queda desde 2000. A ascensão da nova classe média chilena pode ser testemunhada nos bairros mais afastados da capital. Em Colina, uma antiga favela na periferia de Santiago, a taxa de pobreza caiu de 29% para 12% em apenas seis anos.
Educação – O foco na educação é o que vai dar sustentação de longo prazo para a redução da pobreza. Hoje, os jovens chilenos de bairros pobres têm 2,5 vezes mais anos de estudo que seus avós e 50% mais que seus pais. A educação primária e a secundária foram universalizadas, e sete em cada dez universitários são os primeiros de suas famílias a alcançar esse nível de ensino. Há no país um sistema que estimula a concorrência de escolas públicas e privadas por alunos e verbas do governo.
As medidas econômicas que colocaram o Chile à frente de seus vizinhos foram impostas em um contexto autoritário pelo general Augusto Pinochet. “A sabedoria dos governos democráticos foi reconhecer a qualidade da política econômica da ditadura e conservá-la”, disse a VEJA o ministro das Relações Exteriores, Alejandro Foxley.