A mídia e o coronavírus: audiência aumentou, credibilidade não. Por Mário Marona

Atualizado em 28 de março de 2020 às 12:59
Jornal Nacional da Globo. Foto: Divulgação/Twitter

 

Os donos de jornais e os empregados que acreditam muito neles e lhes dedicam mais obediência estão eufóricos com o fato, inegável, de que em tempos de epidemia e isolamento a audiência dos jornais, TVs e portais da grande imprensa está crescendo em ritmo, digamos, epidêmico.

Depois de amargar quase duas décadas de queda constante, o Jornal Nacional tem tido picos de audiência dos quais a emissora já havia até esquecido. Os jornais estão vendendo mais ou, pelo menos, estão sendo mais lidos via internet, assim como os endereços online das mesmas grandes empresas jornalísticas.

É verdade, e é bom que seja assim. As pessoas estão buscando informação sobre algo que pode representar a continuação ou a interrupção de suas vidas. E as grandes empresas jornalísticas têm condições de oferecer informação básica de qualidade. Seria o cúmulo que não tivessem.

Mas os donos de jornais e seus leais seguidores nas redações, sobretudo os chefes e os colunistas, cometem um equívoco que pode levá-los à autoilusão: a audiência aumentou, a credibilidade não ou, pelo menos, não necessariamente.

É natural que neste momento, para citar exemplos, o telespectador prefira a informação oferecida pela maior emissora do país, que dispõe de uma estrutura nacional ampla – capilaridade, como se diz – e, sem dúvida, uma equipe numerosa e qualificada de profissionais. É lógico que, nesta circunstância, o leitor leia primeiro a notícia de uma empresa de comunicação bem estruturada como a Folha.

Globo, Folha e mais algumas empresas comerciais de comunicação têm capacidade de apuração primária que supera os veículos menores ou de opinião. Neles, muito provavelmente, encontraremos reportagens sobre o que se passa em qualquer lugar do mundo, ainda que reproduzidas de agências internacionais – cujo serviço é caro e só pode ser pago por empresas que têm dinheiro para isso.

Mas é prudente que todos entendam, especialmente os que são acionistas ou trabalhadores dos grandes veículos de comunicação: utilidade não é confiança, e estrutura não é garantia de credibilidade.

Confiança e credibilidade não dependem do tamanho da empresa de comunicação, mas de suas posições editoriais, da maior ou menor pluralidade de suas opiniões, da diversidade de suas escolhas políticas e da isenção com que apresenta a informação ao usuário.

Na última semana, desde que percebeu que era hora de abandonar Bolsonaro e suas atitudes insanas a respeito do coronavírus, sob pena de naufragar com ele se a epidemia explodir e matar muita gente, a grande imprensa decidiu que deveria passar a aceitar, ainda que relutante, a ideia de que, em momentos assim, não há liberalismo que resista, não há projeto excludente e elitista que se sustente – no mínimo pelo inevitável carimbo de desumanidade que será aplicado na testa de seus defensores. É preciso dar um tempo.

O que fez a Globo – e o que fez por tabela toda a grande imprensa? Passou a ouvir economistas que defendem a intervenção emergencial do estado na economia e o dispêndio de dinheiro público para assegurar a paz social e a sobrevivência das empresas e dos empregos.

E que economistas foram escolhidos para opinar em todas as edições de todos os telejornais e em todas as páginas de economia de todos os jornais? Aqueles – e apenas aqueles! – que sempre se opuseram à ação do estado para proteger os que mais precisam, à distribuição de renda, à valorização dos salários, à atuação dos bancos públicos para garantia de crédito. Enfim, os economistas liberais que sempre defenderam o estado mínimo e que, agora, diante da ameaça da ruína, acham que está na hora de um colinho do “estado-babá”.

Observam que o Banco Central americano mandou rodar a máquina de imprimir dinheiro e perceberam: “Bem, já que eles estão nessa, vamos ter que esconder por enquanto tudo o que fizemos quando estávamos no poder e defender parte do que combatemos quando os trabalhistas estiveram no poder”.

Onde o leitor, telespectador, ouvinte e usuário de informação da grande imprensa vai encontrar alguma opinião de economistas que sempre propugnaram que o estado não pode se omitir e tem, sim, o dever de zelar pelo acesso dos mais pobres à riqueza, a chamada redução das desigualdades? Em lugar nenhum, rigorosamente em página alguma, em nenhum VT ou entrevista. Eles sumiram, foram banidos – como de resto sempre estiveram fora da pauta, exceto quando podiam ser cobrados por alguma situação negativa.

Até ex-tucanos como Bresser Pereira foram abduzidos e sumiram da mídia. O entrevistado mais transgressor dos últimos dias é Henrique Meirelles. Só há espaço para monetaristas e liberais – agora montados em roupa heterodoxa. Desenvolvimentista amarga interdição implacável. Vá que o sujeito fale ao vivo e solte “eu não disse?”

A não ser que você não queira, ou não tenha direito de querer, nos parágrafos anteriores é possível entender a diferença entre relevância e credibilidade.

(Aqui, abro um parêntese, para comentar expressão que li ontem, sobre a relevância da “imprensa profissional”. Os grandes jornais e TVs não são donos desta qualificação. Há bons profissionais na Globo e na Folha, sem dúvida, mas há bons, ótimos e grandes profissionais nos sites progressistas – muitos do quais experientes, independentes, cultos e, por isto, capazes de análises que os compromissos da grande imprensa não permitem).

De minha parte, continuo lendo todos os jornais e, quando posso, assistindo aos principais telejornais – com ou sem coronavírus. Não faço de minhas criticas à mídia uma cruzada. Mas como também preciso de análise, interpretação e opinião de qualidade, continuarei lendo e compartilhando blogs, sites e portais progressistas porque é neles que encontro – com raras exceções – a confiança, o pluralismo e a credibilidade que a grande imprensa sempre negou ao país – e também neste lado houve, claro, exceções.

Só se ilude quem tem medo. O medo é compreensível, mas os patrões não costumam exigir de seus empregados que paguem este mico. A maioria têm direito a pelo menos ficar quieto para não passar vergonha. Ou usar suas redes sociais para falar de gatinhos. A maioria vai entender. Eu, de vez em quando, até tasco um “curtir”.