O podcast de Chico Felitti sobre a granfina escravocrata e decadente de Higienópolis, chamado “A Mulher da Casa Abandonada”, é um exemplo de apuração de primeira, história bem contada, produção nos trinques e sensibilidade jornalística para descobrir personagens da metrópole.
Margarida Bonetti é figura execrável de nossas elites, por sua história pregressa e comportamento típico do topo da pirâmide social para com os de baixo.
No entanto, há um perigo que vai além da série: é o de um trabalho jornalístico bem feito, mas que tangencia o sensacionalismo, servir de pretexto para um linchamento moral – que pode descambar para ataques físicos – da figura em questão.
Num país em que a violência se torna aceleradamente moeda corrente, não é difícil que algum siderado decida resolver a parada com as próprias mãos.
O caso Margarida Bonetti deve ser remetido ao judiciário imediatamente, para que sua resolução se dê em marcos civilizados. Um programa de mídia não é tribunal e uma condenação emocional não é sentença institucional.
Não vale aqui o argumento de que “se fosse pobre e preta” ninguém se importaria e ela estaria morta a essa hora. É justamente para que não percamos a razão de investir pesadamente contra todo tipo de violência contra setores vulneráveis que não se pode incentivar julgamentos de beira de calçada.
Enveredar por esse caminho significa aceitar a lógica bolsonarista dos justiçamentos sumários contra os diferentes.