Desde que a Lava Jato tomou as proporções atuais, as comparações com a operação Mãos Limpas viraram rotina.
Deflagrada na Itália nos anos 1990, começou pequena, mas depois atingiu em cheio o sistema de pagamentos de propinas feitos aos políticos por empresários com a finalidade de vencer licitações na construção de estádios, ferrovias, estradas, prédios públicos e construção civil em geral.
Foram investigadas 6.059 pessoas, dentre eles empresários (872), administradores (1.978) e parlamentares (438, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros). Foram expedidos 2.993 mandados de prisão. A imprensa divulgou tudo com alarde e manchetes diárias enormes.
Como se vê, são operações primas-irmãs e o principal magistrado da operação italiana, Antonio Di Pietro, recentemente reconheceu-as como idênticas, em proporção e momento político.
Mas qual é o saldo da operação na Itália hoje?
Passei boa parte do ano de 2015 no país para a realização de pesquisas para um livro. A leitura atual é a de que aquilo pouco adiantou. Resultou, entre outras coisas, em Silvio Berlusconi.
O rei do bunga-bunga também estava entre os investigados desde o início, mas saiu ileso e tornou-se primeiro-ministro da Itália (o que deve servir de alerta para nós hoje. Nem todos que estão sendo colocados contra a parede sairão perdedores).
No ano 2000, apenas 4 de todos os acusados estavam cumprindo sentença e 40% dos processos contra parlamentares foram anulados. Para os italianos, o vínculo entre políticos e clãs mafiosos continua um problema irremediável e a imprensa parece haver tomado chá de camomila.
De novo vale ouvir Di Pietro: “A investigação foi incompleta e o país não mudou”, declarou ele, que terminou afastando-se da magistratura, encurralado e jurado de morte pela máfia. Não temos no Brasil uma máfia similar, para sorte do juíz Sergio Moro que, quando muito será penalizado por suas ilegalidades em divulgações de grampos e conduções coercitivas antes de mesmo de fazer uma convocação.
Nas conversas cotidianas com os italianos é possível verificar que estão novamente descrentes em relação ao poder público. Afirmam que os políticos realmente aprenderam a lição com a Mãos Limpas: aprenderam e ficaram mais espertos, mais precavidos. Criaram novos mecanismos, aperfeiçoaram o cambalacho e tornaram ainda mais difícil seu combate.
O desalento faz sentido. No ranking da corrupção, a Itália ocupa hoje a mesma posição que ocupava antes da operação Mãos Limpas (não coincidentemente empatada com o Brasil) no levantamento da ONG Transparência Internacional.
Adoradores de futebol como este colunista, nas mesas dos cafés me lembravam do caso Parmalat ocorrido poucos anos depois do fim da operação Mãos Limpas que atingiu também o times daqui. A trapaça provocou um rombo de 14,27 bilhões de euros e lesou milhares de investidores italianos.
Mas viver o dia-a-dia permite ainda fazer uma análise que se sobreponha ao choramingo popular de que as autoridades e o poder público são corruptos. São só eles? Não foram poucas as vezes em que fui questionado se necessitava de nota fiscal. Sem ela o preço era mais convidativo.
Testemunhei muitas pessoas viajando sem ter validado o bilhete do trem, prorrogando sua utilização. Ouvi dezenas de queixas de proprietários de restaurantes em relação aos refugiados que, obviamente, contrata-os com salários abaixo do piso e sem registro.
Pessoas com o discurso anti-corrupção na ponta da língua mas que viviam com um auxílio-invalidez ou qualquer outro ‘bolsa-alguma-coisa’ em condições frontalmente questionáveis.
Indiferentes às corrupçõezinhas cotidianas, não fazem a conexão causa e efeito. Ora, essas atitudes disseminadas pelo povo são repetidas em seus representantes. O caldeirão é o mesmo, não dá para dissociar.
Eles não vêm de outra galáxia e sim daquele mesmo ambiente, da ‘cultura’ da corrupção enraizada na sociedade civil. Quando praticam as imensas corrupções, os políticos estão representando fielmente seus eleitores, maior identificação impossível.
Quem dá o exemplo para quem? O exemplo deve vir de cima, dizem. Correto, mas quem está em cima? O poder público ou povo que o elege? Quem é o patrão?