A outra face de Hemingway revelada por novos documentos descobertos em sua casa em Cuba

Atualizado em 10 de novembro de 2014 às 15:28
Hemingway toma um mojito em Finca Vigia, sua casa em Cuba
Hemingway toma um mojito em Finca Vigia, sua casa em Cuba

 

O que ainda mais se pode saber sobre a personalidade de Hemingway? Muitas coisas. A biblioteca e museu John F. Kennedy, em Boston, acaba de inaugurar uma coleção reveladora sobre o autor: são 2500 documentos digitalizados, egressos da Finca Vigía, a casa onde ele morou em Cuba entre 1939 e 1960.

Hemingway tinha uma personalidade conhecida. Falastrão, ousado, guerreiro, mulherengo, beberrão, inquieto, melancólico e escritor genial foram as características expostas em sua obra, frequentemente autobiográfica, e nas inúmeras biografias sobre ele.

Ainda assim, essa nova leva de documentos expõe aspectos do escritor que pouca gente conhecia. Ele era, por exemplo, muito mais vaidoso do que se poderia supor — e, também, muito mais organizado. Guardou, com o zelo de um bibliotecário, centenas de cartões e cartas elogiando seu trabalho — mas só os que elogiavam.

O destaque fica por conta de um álbum onde estão as mensagens referentes ao Prêmio Nobel que recebeu em 1954. “Os suecos afinal não são tão idiotas assim”, escreve a atriz sueca Ingrid Bergman, protagonista da versão cinematográfica de “Por Quem os Sinos Dobram”.

Apesar da organização com que mantinha seus registros, Hemingway e sua quarta mulher, Mary, tinham uma vida cheia de atropelos. É possível encontrar registros da vida diária misturados com documentos importantes — como receitas de pratos entre manuscritos que indicam um fim alternativo ao livro “Por Quem os Sinos Dobram?”. Ou propagandas de filtros de piscina empilhados com cartas de alguns críticos famosos da época.

A impressão geral é de uma complexa conjunção de euforia e depressão, o que parece ter sido o ritmo de vida do grande escritor, principalmente nos seus últimos anos de vida. E é nesse sentido que a coleção ganha importância: na composição do perfil do escritor que, apesar de sua vida intensa, guardava segredos, principalmente relacionados à sua depressão — que o levou a cometer suicídio no auge da carreira, aos 61 anos.

Também faz parte da documentação alguns cadernos com mensagens que Hemingway mandava a si próprio, numa espécie de solilóquio literário: “As frases estão muito extensas, é preciso diminuir, encorpar e fortalecer cada palavra”; “você deve cortar as palavras desnecessárias para fazer uma prosa mais enxuta”; “você é capaz de escrever de forma mais clara e melhor” — são algumas das pérolas de conselhos literários feitos a si mesmo e  que, de fato, marcaram seu estilo vigoroso, de frases curtas, potentes como “um soco no estômago”, como ele mesmo preconizava.

Os documentos incluem diários, cartas, telegramas, apólice de seguros, extratos de banco, passaportes, ingressos de touradas e listas e mais listas — de compras, de desejos, de viagens… “Hemingway não sabia que não voltaria mais para Cuba quando foi para a Espanha em 1960. Há ainda sapatos dele em Finca Vigia”, diz Sandra Spanier, curadora da coleção.

Quando voltou da Espanha, com a saúde bastante abalada, foi para Nova York, se tratar e, depois, seguiu para Ketchum, onde cometeu o suicídio. Era 1961 e Mary Hemingway, a quarta mulher do escritor, fez um acordo com Fidel Castro: deixaria a casa para o povo de Cuba desde que pudesse fazer uma mudança dos objetos para os EUA. O acordo saiu, mas Mary deixou muita coisa para trás. Entre elas, esses documentos, mantidos ao longo de décadas em condições precárias — e que agora foram cedidos pela Fundação Finca Vigia.

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