Publicado no site Biscate Social Club. A autora é Bia Cardoso.
Esse clube se denomina biscate desde sempre com muito orgulho. Vadias, putas, vacas profanas, libertinas, piranhas e qualquer outra palavra com a qual queiram atacar nossas vivências ou liberdades serão mastigadas e cuspidas de volta com nossa boa falta de educação. Fazemos resistência justamente a quem acredita que a mulher tem um “papel” na sociedade. Porém, sabemos que isso não é fácil para todas as mulheres. Especialmente para as mais jovens, que numa idade em busca de aceitação sofrem muito com o machismo da sociedade.
Pouco tempo atrás, a mídia noticiou o caso das listas “Top 10 Vadias” que estão circulando via redes sociais entre os alunos das escolas de São Paulo e tem provocado abandono dos estudos e até tentativas de suicídio entre as meninas.
Os alunos montam rankings classificando dez meninas como “vadias”. Os nomes circulam pelo WhatsApp, vídeos no Youtube, Facebook e até cartazes colados no interior das escolas. Cada colégio tem sua lista e alguns alunos as divulgam semanalmente. As escolhidas que ficam mais de uma semana no ranking vão subindo de colocação. Desde que a lista começou, há quase um ano, a rotina dessas meninas se transformou em uma espécie de prisão e condenação sem que nada tivessem feito.
Essas listas não são novidade. Já existem há muito tempo, mas antes eram restritas à turma da escola. Hoje, com as redes sociais e aplicativos de celular tudo é amplificado e ganha dimensões muito maiores. A violência não se restringe apenas ao ambiente escolar e o apoio é minimo, há muita cobrança de todos os lados. É o velho discurso da “mulher que não se dá o respeito”. Como se houvesse justificativa para a violência. É absurdo que as pessoas insistam em culpabilizar essas meninas ao invés de tentar compreender como nossa sociedade cria meninos que acham o abuso e o assédio algo corriqueiro.
Essas listas de classificação de meninas não são fatos isolados, assim como o estupro de uma menina de 12 anos por três colegas no banheiro de uma escola em São Paulo também não foi. A cultura violenta que atinge diretamente as mulheres também está presente entre os jovens e as escolas não estão fazendo muito para mudar isso.
Programas de educação sexual e igualdade de gênero são constantemente barrados por deputados e vereadores conservadores, que ainda acreditam que não falar de sexo com crianças e adolescentes vai fazer com que eles não pensem nisso. A falta de diálogo e informação com os jovens só tem contribuído para o aumento dos casos de violência.
Por que os meninos acham legal humilhar as meninas dessa maneira? Por que é divertido rir, expor e fazer escárnio da sexualidade de meninas? Provavelmente, não se importam com o fato de que várias delas estão vivendo um inferno em suas vidas. E isso acontece porque não veem as mulheres como eles, não as veem como pessoas. E quem desumaniza essas meninas e mulheres? A própria sociedade que apoia e incentiva que os meninos sejam predadores e as meninas passivas.
É preciso muita autoestima, apoio de pessoas próximas e orgulho para enfrentar a quantidade de violência à qual você é exposta no momento em que seu nome passa a circular nessas listas, a ser pichado em muros, a ser divulgado por gente que elas nem conhecem na internet. É algo que quebra por dentro, coloca essas meninas numa situação de vulnerabilidade e desespero enormes.
Grupos feministas organizaram um “Grafitaço” para apagar os xingamentos expostos em muros da periferia de São Paulo. Mesmo assim, vemos a apatia da sociedade em relação a essa violência absurda. Estamos preocupados em pensar e propor medidas eficazes para coibir esse tipo de ação? Vamos incluir a juventude no debate? Quais currículos educacionais brasileiros promovem um debate amplo sobre o assunto entre os alunos?
Infelizmente, parece que estamos bem distantes de mudar esse quadro. De mudar essa maneira podre e cruel com a qual as meninas e mulheres são tratadas em nossa sociedade. O peso da palavra “vadia” continua matando meninas e nós não podemos deixar isso acontecer.