A pergunta sem resposta: por que o porteiro registrou que a casa de Bolsonaro era o destino do matador? Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 30 de outubro de 2019 às 22:04

A investigação em torno do assassinato de Marielle Franco continua estranha, aliás, mais estranha ainda depois que foi revelado o envolvimento do nome de Jair Bolsonaro com o caso.

Hoje de manhã, Carlos Bolsonaro, filho do presidente, divulgou a gravação em que a suposta voz do porteiro pergunta ao suposto morador da casa 65, do condomínio Vivendas da Barra, se pode liberar a entrada de Élcio de Queiroz.

A voz, que seria de Ronnie Lessa, responde que sim.

À tarde, representantes do Ministério Público deram entrevista coletiva em que a informação divulgada por Carlos Bolsonaro foi endossada.

“A pessoa que está na cabine [porteiro] liga para casa 65, e isso está comprovado pelas gravações. E a pessoa que atende na casa 65 é Ronnie Lessa. Com base na pessoa que atende, precisava comprovar: essa voz é de quem? O Ministério Público, com base na voz de Lessa obtida no depoimento, fez um confronto com a voz da cabine – e o confronto deu positivo. Portanto, há prova pericial de que quem atende e quem autoriza a entrada de Élcio de Queiroz é Ronnie Lessa”, disse a promotora Simone Sibílio.

O que continua sem resposta é por que o porteiro escreveu no registro da portaria que Élcio de Queiroz iria para a casa 58, de Jair Bolsonaro.

Em princípio, o porteiro não poderia fazer essa inclusão a posteriori, com o objetivo de incriminar Bolsonaro, na época deputado federal.

Além disso, quando Élcio entrou no condomínio naquele final de tarde de 14 de março de 2018, o porteiro não teria como saber que horas depois ocorreria o assassinato de Marielle Franco.

Segundo o MP, foi o próprio síndico do condomínio que entregou agora os áudios com as gravações da portaria, depois que a polícia constatou nos registros manuscritos que a casa de Bolsonaro era o destino de Élcio de Queiroz.

O que não faz sentido é por que a Polícia não investigou o envolvimento de Bolsonaro em janeiro deste ano, quando uma cópia da planilha de acesso à portaria foi entregue pela esposa de Ronnie Lessa.

Seria um procedimento básico da investigação policial verificar se Élcio esteve naquele condomínio no dia do crime. Mas, segundo o Ministério Público, só houve busca em relação à casa de Ronnie Lessa,  65, não outro destino.

Se tivesse procurado pelo nome de Élcio, o que seria lógico, teria visto o registro lá, com a placa do seu carro, e o destino informado: 58, casa de Bolsonaro.

A polícia pode ter errado ao não buscar uma informação relevante, mas pode também feito vista grossa. Em março deste ano, quando Élcio e Ronnie foram apresentados como os executores do crime, o delegado Giniton Lages descartou o envolvimento de Bolsonaro.

“O fato de ele (Lessa) morar no condomínio de Bolsonaro não diz muita coisa, não, para a investigação da Marielle”, afirmou.

Agora se sabe que dizia: já havia o registro manuscrito da entrada de Élcio com destino à casa de Bolsonaro. Bastava seguir essa pista e, sendo verdadeiro o áudio que apareceu agora, descartá-la.

Em vez disso, se cozinhou a investigação e o desfecho só ocorreu hoje, quando a Procuradoria Geral da República arquivou o pedido de investigação de Bolsonaro.

Lembre-se: o pedido foi encaminhado ao STF há cerca de três semanas, depois que o porteiro prestou dois depoimentos, em que citou o nome de Jair Bolsonaro.

Manteve a versão mesmo depois de confrontado com a incompatibilidade de seu relato com o áudio da portaria — que, diga-se, não foi apreendido pela Polícia, mas entregue pelo síndico do condomínio de Bolsoanaro, os mesmos áudios divulgados por Carlos Bolsonaro.

Segundo a promotora, foi uma demonstração de boa vontade do síndico.

Graças a isso, a Procuradoria Geral da República arquivou o caso, mas só hoje, um dia depois que o envolvimento do nome de Bolsonaro se tornou público, com a reportagem do Jornal Nacional.

O porteiro, até agora um personagem sem nome e sem rosto, continua sendo uma testemunha fundamental.

De ontem para hoje, no entanto, com a entrada em cena de Sergio Moro, de testemunha esse personagem sem rosto e sem nome virou investigado.

Que seja.

Mas que seja protegido e a sociedade saiba o que ele disse e o que ainda tem a dizer.

E por que, no dia 14 de março do ano passado, horas antes de Marielle e seu motorista serem executados, esse personagem sem rosto e sem nome escreveu no livro de registro do Vivendas da Barra que um dos assassinos se apresentou na portaria do condomínio para ir à casa de Jair Bolsonaro.