A paranoia anticomunista no Brasil acabou de perpetrar mais uma piada. A vítima e os suspeitos são os de sempre, mas o humor involuntário sobreviveu intacto.
O Ministério Público Federal de Goiás abriu um inquérito para investigar o recrutamento de crianças pelo governo venezuelano para, basicamente, sofrer lavagem cerebral bolivariana.
Segundo a Folha, o procurador Ailton Benedito de Souza pediu para “apurar ações ou omissões ilícitas da União, relativamente às condutas praticadas pelo governo venezuelano, ao levar, desde 2011, crianças e adolescentes brasileiros à Venezuela, com o fim de transmitir conhecimentos relativos à ‘revolução bolivariana'”.
O site do Ministério das Comunas e Movimentos Sociais da Venezuela cita, de fato, o Brasil. Na verdade, é o nome de um bairro no estado de Sucre, a 400 quilômetros de Caracas.
O procurador afirma que se baseou em notícias veiculadas pela imprensa brasileira. “Temos que saber em que condições, quem levou e quem autorizou a ida dessas pessoas até a Venezuela”, disse ao G1.
Ou seja, o MP de Goiás, que não tem nada a ver com o pato, baseou-se não num documento original, mas num boato da imprensa, que depois reverberou a medida.
Ailton Benedito é um iniciado no assunto. Em sua conta no Twitter, repercute coisas como “Ditadura bolivariana na Venezuela acusa líder da oposição de plano para matar Maduro”; editoriais do Estadão; parte da obra de Merval Pereira; tudo sobre a Lava Jato.
A energia que o MP despendeu para ir atrás de um mico dá uma medida do grau de calamidade intelectual causado pelo fantasma do “bolivarianismo”. O país vive, para certas camadas, em plena Guerra Fria. Não interessa esclarecer o que é “bolivariano” ou algo que o valha. Interessa confundir.
E isso é apenas o começo. Nos próximos quatro anos, o bolivarianismo ainda vai dar muita alegria às crianças, jovens e adultos do Brasil.