A problematização do elenco ariano da novela é a galinha dos ovos de ouro da Globo. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 12 de maio de 2018 às 17:17
O elenco de “Segundo Sol” passou muito tempo na sombra

A plim plim tem a receita infalível para uma novela de sucesso: ambiente-a na cidade mais negra do mundo fora da África (sim, Salvador). Reúna um elenco maciçamente branco com um sotaque forçado e caricato, como de costume.

Na trilha sonora, use umas versões duvidosas de grandes sucessos da música baiana. Aguarde a problematização generalizada.

Anuncie que o elenco será enegrecido na segunda parte da novela para criar expectativa e a audiência virá mesmo que a novela seja uma bosta – como de costume, parte II – porque todo mundo vai querer patrulhar a representatividade preta no horário nobre.

Pronto: agora é só fechar acordos publicitários milionários e correr pro abraço.

E tem funcionado: o Ministério Público vai denunciar a Rede Globo de Televisão pela ausência de atores negros na novela “Segundo Sol” – com protagonistas, antagonistas e coadjuvantes brancos em uma Salvador que eu, particularmente, baiana da gema, nunca nem vi.

A novela ainda não estreou – só na segunda-feira, com direito a show de abertura na capital baiana –  mas, na internet e também no Ministério Público, a problematização já começou.

Discutir o mérito da necessidade de representatividade negra em uma novela sobre a Bahia é desnecessário, de tão óbvio.

Todo mundo sabe que o grande público já não engole – e nem deve – produções de ficção que não sejam socialmente responsáveis, e que está sempre de olho na plim plim.

Agora, pensar que os roteiristas globais não sabiam que elenco branco em novela sobre cidade preta ia dar merda é muita ingenuidade. É claro que eles sabiam.

Como nós, eles também sabem que vivemos a geração tombamento-lacração-das-problematizaçõeschiques.

Não é só a gente que tem acesso à internet.

Eles devem ter acompanhado todas as problematizações chiques sobre a negritude de Anitta e a lacração de Karol Conka. Eles devem saber de cor quem é Djamilla Ribeiro.

Tanto sabem que na novelinha das 5 e meia tem preta candomblecista empoderada, gorda empoderada, bicha empoderada e uma história clichê de assédio – tudo pela audiência, né, Dona Globo? – que termina com lição de moral sobre feminismo.

E a gente?

A gente assiste, é claro, porque vai que eles escorregam? Precisamos estar atentos.

O elenco da novela das nove meia-boca faz toda a diferença em nossas vidas.

“Falem mal, falem bem, mas falem de mim”, eis a máxima global em tempos de decadência da TV aberta – e os esquerdosos confusos quanto às próprias prioridades colaboram e obedecem.

Aguardemos cenas dos próximos capítulos – todos atentos olhando para a TV.