A farra com as crianças acabou? Poder ser que sim, pelo menos em parte. O Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) aprovou resolução que proíbe propaganda voltada para menores de idade no Brasil. Ela leva em conta que a publicidade infantil contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente e só deve ser usada para campanhas de utilidade pública sobre alimentação, educação e saúde.
Essa é uma pauta que está já há algum tempo em discussão, sofrendo grande resistência do mercado. O consumo de produtos infantis é um mercado importantíssimo e ainda um terreno a ser completamente explorado. Segundo o site da CCFC, Campaign for a Commercial-Free Childhood, ONG que combate a propaganda abusiva para crianças, pessoas com menos de 14 anos são responsáveis diretas por um gasto de 40 bilhões de dólares por ano — dez vezes mais do que dez anos atrás.
Empresas, agências e indústrias festejam esse número, que contempla uma gama enorme de produtos, desde alimentos e brinquedos, até roupas e viagens. E, para isso, contam com a publicidade, principalmente na TV.
Mas além de induzir à compra e ao consumo desnecessário, a publicidade provoca outros efeitos. O National Bureau of Economic Research fez um estudo que revela que, se os anúncios de redes de fast food fossem eliminados, a obesidade infantil diminuiria em até 20%. Também aponta que a publicidade infantil tende a anular a autoridades dos pais, criando um confronto entre as mensagens publicitárias e os valores familiares.
Segundo James McNeal, um dos papas do marketing infantil, estamos numa espécie de “era dourada das crianças”. Elas são tudo o que o mercado quer: consumidoras compulsivas, facilmente vulneráveis às tendências marcadas pela publicidade. Mais ainda: influenciam decisivamente nos hábitos de consumo de pais, irmãos, avós e tios. “Quarenta milhões de americanos entre 2 e 12 anos são os responsáveis por influenciar um a cada sete dólares gastos no mercado dos EUA”, escreve ele. De acordo com o Instituto InterScience, há dez anos, apenas 8% das crianças influenciavam as decisões de compras dos adultos. Hoje, esse número saltou para 49%.
Outro levantamento da Viacom, dona do canal infantil Nickelodeon, mostra que mais de 40% das compras dos pais são influenciadas pelos filhos e 65 % dos pais revelam que ouvem a opinião das crianças sobre os produtos comprados para toda a família, como o carro, por exemplo. Elas dão palpite sobre cores, som, tipo do carro, bancos e até o modelo das portas. A criança consumidora de hoje, será o adulto consumidor de amanhã.
“Faz todo sentido que a busca incessante das empresas pela fidelização de seus clientes comece bem mais cedo. Nada mais natural, portanto, olharmos as crianças como futuras consumidoras de diversos produtos, serviços e marcas”, diz James McNeal.
Países como Suécia, Alemanha, Espanha e Canadá já há algum tempo têm legislações extremamente rígidas com o que chamam de “métodos de persuasão infantil”, algo comparável a um assédio moral ou sexual. Uma campanha recente de gel para cabelos foi banida por ter “sensualizado” personagens infantis. Na União Europeia, a legislação básica, válida para os 27 países-membros, proíbe tudo que explore “a inexperiência e credibilidade infantil”, que “encoraje crianças a persuadir pais ou outros a comprar produtos ou serviços”, que “explore a confiança dos pais pelos seus filhos” e “mostre cenas perigosas envolvendo menores”.
A resolução do Conanda não tem força de lei, embora possa servir de base para possíveis processos e ações. Já surgem manifestações acusando a iniciativa de atentado à liberdade de expressão. Mas o limite dessa liberdade é a pregação contra a integridade física e moral dos indivíduos. E um exemplo clássico é o veto à propaganda de cigarros.