Acordei cedo para escrever o roteiro de uma reportagem em vídeo e logo vi na internet: a justiça mandou a Polícia Federal levar Lula à força para depor. Liguei a TV e a cobertura era intensa.
No caminho até meu trabalho, vi uma Mercedes com a Bandeira do Brasil. No escritório, havia uma certa euforia com as imagens da TV ligada mostrando cenas de conflito na rua.
Um colega progressista está em silêncio, enquanto outra, eleitora do PSDB e muito exaltada, diz que deveríamos todos ir até o local do conflito para atirar pedras nessa “calhorda vermelha”.
Um advogado recém-formado comenta com outro funcionário que agora tem que tirar todo o patrimônio do Lula, Lulinha e família. Ele defende também que o Exército vá para as ruas, para colocar ordem no Brasil.
O engenheiro e especialista em marketing ri das postagens do Facebook, particularmente do meme com uma foto de uma senhora loira deitada com vestido na estampa do tapete e a frase de que se trata de Marisa tentando se esconder da PF.
Ele ri também de uma foto compartilhada pelo WhatsApp com um japonês vestido com uniforme da PF visto pelo olho mágico do apartamento, na brincadeira atribuído a Lula.
Não adianta argumentar que não há prova formada contra Lula, que Bill Clinton, ao deixar a presidência nos Estados Unidos, arrecadou duzentos milhões de dólares para montar seu instituto, que Fernando Henrique Cardoso também recorreu a empreiteiras e concessionárias do governo para financiar seu instituto.
Não adianta dizer que as denúncias de corrupção contra o governo Fernando Henrique Cardoso continuam abafadas, como o caso que eu apurei a fundo, o da Lista de Furnas.
É Lula que essa gente quer e se sente legitimada por procuradores que dizem ter Lula se beneficiado da propina da Petrobrás, em entrevista coletiva que parece a divulgação de sentença transitada em julgado.
O Brasil está rachado, com escritórios divididos, e o que sobra ao lado que ora se sente vencido quando vê na Justiça a parcialidade?
Onde isso vai dar?
A Constituição dos Estados Unidos legitima a violência quando há um golpe em curso.
Aqui não existe essa previsão legal, mas qual a saída quando a política fracassa e um juiz de primeira instância submete um líder de massas à humilhação pública?
A quem ou a que recorrer?
Quando a TV começou a mostrar imagens de Lula deixando o aeroporto, já liberado e indo para a sede do PT em São Paulo, um colega, de família de radialistas, não se dá por vencido. Diz que Lula será preso amanhã e dirige a pergunta a mim:
— Você é petista, não é?
— Sou jornalista – respondo. E fundamentalmente anti-golpista.
O estagiário de jornalismo ri alto, gozando do filho de radialista.
Uma página relevante da História do Brasil está sendo escrita.