Esta é mais uma reportagem da série do DCM dedicada a investigar o papel da Sabesp e de seu controlador, o governo do estado de São Paulo, na crise da falta de água. As demais matérias estão aqui. Fique ligado.
Wanderley da Silva Paganini é superintendente de gestão ambiental da Sabesp e compareceu nesta quinta-feira (26) junto com outro funcionário, Marco Antonio Lopes Barros, para prestar esclarecimentos no Ministério Público Federal de São Paulo.
Paganini teve um ataque de sinceridade. “Eu acho que a Sabesp não deveria ter aberto ações em bolsa. Infelizmente posso perder meu emprego por ter dito isso, mas acho que temos obrigação de prestar esclarecimentos à sociedade”, disse.
Depois contemporizou: “A entrada no mercado financeiro evitou que a empresa fosse totalmente vendida”. O fato é que, embora a empresa se comporte como uma instituição privada visando aumentar lucros e distribuir dividendos, ela ainda é uma empresa de capital misto.
Não é privada e não é pública, embora o acionista majoritário seja o governo do estado de São Paulo. A gestão Alckmin nomeia as principais diretorias e até de sua agência reguladora, que deveria ser independente, a ARSESP.
Na manhã do último dia 25 de fevereiro, o novo presidente da Sabesp, Jerson Kelman, tentou explicar aos vereadores da CPI os motivos que envolveram a abertura de ações no mercado financeiro. “A empresa fez isso justamente para conseguir investimentos mais sustentáveis para suas obras, que exigem uma grande captação e um corpo técnico qualificado para sua execução”, afirmou.
Tomou uma invertida de Laércio Benko, vereador pelo PHS e presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito. “Eu discordo de maneira elegante de suas declarações. Na minha opinião a água é um bem fundamental e não um produto comercializável. Vocês confirmam que a Sabesp tem tratado do tema como um produto?”
Bateção de cabeça
A crise hídrica evidencia a falta de rumo do governo e seu descontrole com relação à companhia. Numa visita a uma estação de tratamento, o diretor metropolitano Paulo Massato abriu novamente o jogo: “O cálculo conceitual, teórico, para reduzir 15 metros cúbicos por segundos no Cantareira precisaria de um rodízio de dois dias com água por cinco dias sem água”.
Geraldo Alckmin, presente no local, tentou distrair os repórteres, declarando que a oferta de água para a área da Grande São Paulo foi aumentada em 500 litros por segundo. De acordo com o governador, isso só foi possível com a transferência de água do córrego Guaratuba para o Sistema Alto Tietê.
A tática de Alckmin para distrair a imprensa virou piada entre os jornalistas que cobrem a história. Na reunião da CPI, Massato voltou a falar do rodízio de cinco dias sem água por dois com abastecimento. O diretor da Sabesp disse que isso não seria mais necessário com o aumento do nível da Cantareira para 11% e a economia dos usuários.
Em agosto de 2014, depois da adoção do volume morto na Cantareira, o Instituto Trata Brasil informou que a Sabesp perde 36,3% de fornecimento de água nas encanações, com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
O presidente Jerson Kelman contestou esses dados na CPI, mostrando que, entre 2004 e 2014, as perdas de água foram reduzidas de 40% até 29%. “Então podemos esquecer as informações que foram divulgadas pela ex-presidente Dilma Pena?”, perguntou o vereador Laércio Benko. Kelman não respondeu.
A Sabesp iniciou um Programa de Redução de Perdas da Sabesp entre 2008 e 2012. A iniciativa saiu pelo custo de R$ 1,1 bilhão em contratos. Em depoimento à CPI, Jerson Kelman e Paulo Massato afirmam que todas as obras necessárias para manter as tubulações funcionando foram realizadas e a empresa estaria em produção recorde de água se não existisse a estiagem recorde no sudeste brasileiro.
Água como mercadoria
A abertura de ações da empresa no mercado financeiro é no mínimo controversa. Ela gera investimentos, altos lucros e dividendos para a iniciativa privada, mas carece de obras que poderiam ter atenuado os efeitos da seca no sistema Cantareira.
A destruição de reservas das mananciais, por ações predatórias da sociedade ou da população desinformada que ocupa áreas que deveriam ser proibidas, aumentaram os efeitos da seca diminuindo a capacidade de captação hídrica da Cantareira.
Esse argumento é reforçado pelo advogado especialista em saneamento Vladimir Pinheiro, que já foi entrevistado pelo DCM. “O faturamento da empresa está vinculado à água que ela vende. Até o esgoto é incluído no mesmo cálculo”, disse Pinheiro, um dos responsáveis pela elaboração da Lei Federal de Saneamento Básico.
As críticas ao modelo de negócio da Sabesp endossam o comentário sincero do superintendente Wanderley da Silva Paganini, que é especialista em gestão ambiental. Se o capital privado arrecadado pela companhia fosse utilizado para melhorar a qualidade de seu serviço de fornecimento de água, com uma agência independente que a fiscalizasse – o que não é o caso da ARSESP -, a empresa poderia ter feito um bom gerenciamento privado.