A solidão de Francisco na Praça de São Pedro é a prevalência da sabedoria. Por Moisés Mendes

Atualizado em 28 de março de 2020 às 15:08
Papa. Foto: Reprodução

Publicado originalmente no blog do autor:

Por Moisés Mendes

A cena de Francisco sozinho diante da imensidão da Praça de São Pedro, ontem à noite, não foi pensada nem produzida artificialmente para que aquela fosse a imagem da associação da fé ao aprofundamento do isolamento social.

A Igreja apenas dispôs e fez uso de forma magistral do retrato da realidade. Aquela é a realidade do Vaticano, de Roma, da Itália.

Não é uma imagem da solidão do Papa, mas de distanciamento real, de cumprimento das ordens da ciência e da sensatez para que as pessoas se afastem umas das outras e tentem sobreviver.

A cena do Papa sozinho, fotografada de todos os ângulos, não é apenas mais uma imagem do isolamento no país devastado pela peste. É a mais impactante imagem de distanciamento produzida até agora pelo medo da pandemia.

O Papa passa a sua mensagem e reforça: nos distanciamos de vocês para rezar porque assim ficamos mais próximos do que é sensato.

A Igreja sequestrada pelo conservadorismo, desde João Paulo II, reabilita-se com Francisco. E essa é a hora de fortalecer a Igreja Católica, como contraponto aos avanços do ultra-reacionarismo neopentecostal.

Não é saudosismo da teologia da libertação, que talvez nunca mais se repita. Pode ser apenas a pretensão de ver, quem sabe como exagero, que Francisco é uma das nossas poucas chances de resistência pela democracia e pelas liberdades. Uma força subestimada.

É a hora de fortalecer Francisco e os religiosos que ainda persistem no trabalho de base. Onde? Como? Que cada um procure um jeito de saber como a vontade de resistir poderá estar em conexão com as ações propostas por Francisco nas igrejinhas dos fundões.

As esquerdas têm medo de mexer com o poder evangélico, porque isso significa atiçar a ira dos pastores e seus rebanhos. É ruim para quem pensa só em vencer eleições.

Mas não há mais como dissociar a disseminação de reacionarismo, ódio e fascismo da atuação de vendedores de milagres. O bolsonarismo é também a expressão desse mundo do empreendedorismo político dos neopentecostais.

Leonardo Boff, Frei Betto e outras referências do cristianismo (mais do que do catolicismo) poderiam oferecer inspiração para as possibilidades de reaproximação das esquerdas com a Igreja que ainda se fortalece com a memória de Irmã Dorothy Stang – por mais afastados que os dois estejam da lida religiosa cotidiana.

A solidão de Francisco na Praça de São Pedro é a prevalência da sabedoria, no confronto com os desatinos e a exploração do desalento e de todas as ignorâncias por Edir Macedo, Silas Malafaia, Crivella e os exorcistas bolsonaristas.

Fiquem em casa, diz o Papa, porque se não ficarem não adianta rezar. É o que Francisco faz por nós. E nós ainda não pensamos a sério o que podemos fazer por Francisco.