A suprema ironia do caso Cunha é que ele foi, paradoxalmente, vítima da própria esperteza.
Há uma velha sentença que se aplica ao caso. “A esperteza quando é demais come o dono.”
Eduardo Cunha, com seu conhecimento minucioso dos regimentos da Câmara e sua obscena falta de caráter e de escrúpulos, acelerou ao máximo o processo de impeachment. Ao mesmo tempo, retardou brutalmente as ações do Comitê de Ética que decide sobre sua cassação.
Tudo isso sob as barbas plácidas dos eminentes magistrados do STF.
O que Cunha não viu é que ele estava trabalhando não apenas contra Dilma – mas contra ele próprio.
Tão logo o sim passasse pela Câmara, ele seria inútil como uma “terceira perna”, como gostava de dizer o jornalista Renato Pompeu.
Não apenas inútil, a rigor. Ele seria um embaraço para um governo que estava vindo depois de uma campanha supostamente destinada a acabar com a corrupção.
Foi exatamente o que aconteceu.
O ministro Teori, que tinha uma papelada com os crimes de Cunha desde dezembro, só tirou o traseiro da poltrona confortável do STF depois de feito todo o serviço sujo, consagrado na dantesca sessão em que bufões corruptos disseram sim num clima de quadrilha.
Eduardo Cunha colheu simultaneamente naquele circo grotesco a maior vitória de sua vida de delinquências e a derrota fatal e definitiva, com o sorriso cínico que endereçou pela tevê por infindáveis horas a todos os brasileiros num domingo fúnebre.
Não fosse tão confiante em sua esperteza desmedida, teria percebido que o sim dos deputados infames era também a senha para sua queda.
Algumas pessoas acham que ele ainda tem uma força: a boca. Ele poderia chantagear muita gente, segundo essa ótica, com a ameaça de contar crimes que testemunhou.
Mas é uma falsa força.
Pelo seguinte: é vital que exista gente disposta a ouvir e a publicar o que Cunha queira dizer sobre o que viu.
A mídia é central aí. Só que a voracidade de jornais e revistas para amplificar qualquer denúncia relativa ao PT jamais se reproduzirá com dossiês e coisas do gênero que incriminem seus cúmplices no golpe.
Numa redação, para deixar isso claro, um repórter que chegue com um furo contra o PT é recebido com fanfarra. Seu material é publicado com destaque com ou sem evidências.
O mesmo repórter, se obtiver algo extraordinário que prove (mais uma) corrupção de Aécio, topará com uma ordem de se calar. Se insistir, vai ser demitido.
A mídia não vai querer ouvir o que Cunha tenha por acaso a dizer de mal sobre personagens de relevo na nova ordem. Até porque o que as companhias jornalísticas desejam mesmo é o dinheiro público que essa nova ordem lhes garantirá em publicidade, financiamentos em bancos oficiais, perdões em dívidas e por aí vai.
Mesmo que Cunha implore por falar, não haverá ouvidos para ele.
Ele está liquidado, portanto.
Não fosse tão esperto, teria empurrado com seus métodos o processo na Câmara até quem sabe encontrar uma saída segura para ele mesmo.
Não viu isso. Agora, é um morto andando.