O combate à injustiça social aproxima o novo papa da corrente que seus antecessores repudiaram.
O texto abaixo, do site Religión Digital, foi republicado no Brasil pelo site Unisinos.
A viagem papal ao Brasil, a partir desta segunda-feira, ocorre num momento em que na América Latina persiste uma elevada desigualdade social e um importante crescimento das igrejas evangélicas.
Francisco, de 76 anos, cumprirá uma agenda lotada durante a semana que permanecerá no Brasil, um país sacudido, em junho, por massivos movimentos de protesto contra o aumento da distância entre ricos e pobres.
O papa Francisco obteve, em seus primeiros cem dias de pontificado, uma surpreendente popularidade em todo o mundo, demonstrando o rosto humilde e simples da Igreja.
Filho de italianos que emigraram para a Argentina, o Papa, que conhece a fundo os problemas e injustiças da América Latina, não teme que as manifestações de protesto perturbem sua visita, comentou recentemente o arcebispo emérito de São Paulo, Cláudio Hummes, seu amigo e vizinho de posto no conclave em que saiu eleito, no dia 13 de março.
O motivo principal da viagem de Francisco é o de presidir, no Rio de Janeiro, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
O papa argentino, que por seus gestos e ações foi nomeado o “homem do ano” pela edição italiana da revista “Vanity Fair”, visitará os pobres de uma favela, os doentes em um hospital, receberá presos, peregrinará ao santuário de Aparecida e, especialmente, irá se encontrar com jovens de todo o mundo, para presidir o que se costuma chamar o “Woodstock católico”, celebrado a cada dois anos, em diferentes cidades do planeta.
Espera-se a presença de cerca de 2 milhões de pessoas, a maior parte provenientes de toda a América do Sul. Participarão das jornadas católicas e boa parte deles chegará em ônibus para o que se constitui o primeiro grande ato de massas do papado de Francisco.
Embora o evento tenha sido programado por seu predecessor, no final da JMJ que ocorreu dois anos atrás, em Madri (Espanha), a surpreendente renúncia de Bento XVI, em fevereiro, e a eleição do ex-cardeal Jorge Mario Bergoglio, em março, transformaram o caráter tradicional do encontro global com os jovens.
Francisco, que assumiu o nome do santo de Assis para lembrar que é preciso uma Igreja pobre, denunciou a “tirania do dinheiro”, “o capitalismo selvagem” e a “globalização da indiferença” diante do drama dos imigrantes sem documentos.
No Rio de Janeiro, está prevista sua visita à favela de Varginha, na zona de Manguinhos, pacificada no ano passado, onde está programado um passeio a pé por uma de suas ruas e a visita a algumas famílias do lugar.
“Acredito que no Brasil dará continuidade, aprofundará e esclarecerá seu Evangelho social. Desde que foi eleito, denúncia as novas formas de escravidão, exploração, desigualdade e irresponsabilidade de algumas forças sociais”, afirma o vaticanista Marco Politi.
De qualquer forma, os responsáveis pela segurança do Pontífice não excluem mudanças de última hora na programação, por razões de segurança, embora se saiba que Francisco não está disposto a exercer seu papado a partir de seu trono, distante dos fiéis, sem ficar com o “cheiro de ovelha” do seu rebanho, como disse.
Primeiro papa não europeu em sete séculos, Francisco rejeitou os luxos dos palácios do Vaticano e condena sem titubear a riqueza e a falta de ética. Ele evitou programar refeições oficiais com autoridades brasileiras e preferiu convidar jovens e sacerdotes de base.
Gestos e palavras que suscitam expectativas no continente, especialmente no Brasil, país com o maior número de católicos do mundo, com 123 milhões, segundo o censo de 2010, no qual os evangélicos tiveram um crescimento explosivo, já somando 22% da população (42 milhões de pessoas), e local em que os ritos afro-brasileiros se misturam com outros cultos, um desafio que o Pontífice conhece e estudou a fundo.
Relator do documento final da reunião, em 2007, do Conselho Episcopal Latino-Americano sobre os problemas da Igreja no continente, quando ainda era o cardeal Bergoglio – do qual participou Bento XVI -, Francisco imprimirá na primeira viagem ao exterior, região onde nasceu e residiu quase toda a sua vida, o selo de seu pontificado.
“Vamos ver se cumpre ou não com o protocolo, se evita os tradicionais discursos de acolhida com as autoridades, etc. Tudo isto serão sinais”, diz Politi, que não exclui uma espécie de reconciliação com a Teologia da Libertação, a corrente teológica nascida na América Latina e condenada severamente, nos anos 1980, por João Paulo II.
“Francisco é um fruto inesperado da Teologia da Libertação, porque é um representante da chamada Teologia Popular, que não é marxista, nem politizada, mas que denuncia fortemente os horrores da miséria, da desigualdade e de seus mecanismos econômicos”, afirma Politi.
A paz com essa corrente teológica, com destacados pensadores como o brasileiro Leonardo Boff, poderia fazer parte da chamada revolução pacífica que o ex-arcebispo de Buenos Aires começou, há quatro meses, com sua famosa frase: “Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres”.