A tragédia do óleo: vozes silenciadas que precisam ser amplificadas. Por Ricardo Kotscho

Atualizado em 1 de novembro de 2019 às 17:52

Publicado no Balaio do Kotscho

Manchas de óleo na praia no Nordeste: derramamento atingiu todo o litoral do Nordeste e a foz do São Francisco / AFP/ADEMAS/Marcos Rodrigues

A melhor parte desta vida de repórter são as pessoas que a gente conhece por esse Brasilzão afora.

Semanas atrás, dei um depoimento ao cineasta Wilfred Gadêlha, que faz parte dessa excelente nova safra de diretores pernambucanos, para um série de documentários que ele está fazendo sobre o Nordeste dos anos 1960 e como está hoje.

Hoje, recebi desse jovem com nome-germano-nordestino um apelo para participar na campanha de crownfunding (ver no final do texto) criada para ajudar o jornalismo independente a contar as histórias da grande tragédia do óleo nas praias da região, que não são contadas na mídia tradicional do sul do país. .

Como não tenho mais condições físicas para viajar e ando meio duro, aproveitei para pedir a ele para escrever um breve depoimento sobre como os nordestinos estão convivendo com este crime ambiental que até hoje não tem responsáveis.

Com alma de repórter, Gadêlha foi ver de perto as consequências dessa tragédia para a vida das pessoas que dependem do mar e das belas praias para ganhar a vida.

Transcrevo abaixo o texto que ele me mandou com presteza, porque há um sentimento de urgência para amplificar as vozes das vítimas diante do descaso do governo federal.

É a minha forma de contribuir.

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Vozes silenciadas que precisam ser amplificadas

Por Wilfred Gadêlha

Nos últimos dias, percorri mais de 2 mil quilômetros pelo litoral de quatro Estados nordestinos acompanhando de perto como a tragédia do óleo derramado nas praias da região afetou o cotidiano das pessoas que vivem direta e indiretamente do mar. Não fui atrás de engravatados de palavras empoladas, mas de quem sofre na pele – muitas vezes literalmente – um dos maiores desastres ambientais por que o País já passou. Em meio ao caos desinformativo provocado pelas autoridades federais, fui ouvir as vítimas: o pescador, a marisqueira, o vendedor ambulante, o garçom.

Acompanhei ainda a corrente de solidariedade que se formou, como uma ciranda à beira-mar, todos de mãos dadas, para remover as manchas de petróleo das praias. Gente que sabe que não pode esperar pela reação do governo federal. Porque o tempo das manchas é um. O tempo de Jair Bolsonaro e Ricardo Salles é outro. O tempo deles é o do descaso, da mistificação, do desprezo por milhões de pessoas. O tempo de quem está na ponta é o do medo, da fome, do desespero.

Gente como dona Cristina, que tem uma barraquinha há 20 anos na praia de Barra de Jangada, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife, que está impossibilitada de ganhar seu sustento por conta da irresponsabilidade de quem deveria ter agido muito antes. Ou como dona Marina, que, após comer um peixe contaminado, passou dias vomitando e com diarreia, mas tinha que estar em seu quiosque de acarajé na Praia do Forte, no litoral norte baiano, porque é disso que ela vive. E ninguém vai fazer isso por ela.

O drama ainda não tem hora para acabar. O óleo vem, volta, é limpo, mas faz questão de retornar, como um pesadelo em looping que nunca termina. Agora, o óleo está indo em direção ao sul. Está na iminência de chegar a Abrolhos, arquipélago que é um parque nacional marinho. Diante da imobilidade proposital de Brasília, o Nordeste padece, como sempre padeceu, nas mãos sujas de óleo dos homens brancos de terno e gravata. Como escrevi, num dos textos da série “No Rastro do Óleo”, publicados pela revista Fórum, não somos fortes porque Euclides da Cunha assim o disse. Já o éramos antes e seremos por muito tempo. Porque a gente aqui não tem força porque acha bonito. A gente tem força porque é preciso ter.

Por isso, precisamos que você, que lê este texto, nos ajude a contar essas histórias. Porque essas histórias não estão sendo contadas pela mídia tradicional. Porque só o jornalismo independente é capaz de ouvir essas vozes silenciadas, com aquele sotaque que muitos ridicularizam. Essas vozes somos todos do Nordeste. Para apoiar a campanha de crowdfunding, basta ir a este link:  https://www.catarse.me/no_rastro_da_tragedia_nas_praias_do_nordeste?ref=project_link

O Nordeste agradece.

 

Wilfred Gadêlha é jornalista, formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Atuou como repórter e editor de periódicos como Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio, cobriu assuntos como o terremoto do Haiti, a visita do papa Bento XVI ao Brasil, cúpulas Brasil-União Europeia e esteve nos Estados Unidos a convite do Departamento de Estado, além de publicar textos em IstoÉ, O Estado de S. Paulo e O Globo.

É autor do livro Pesado – Origem e Consolidação do Metal em Pernambuco, que já está em sua segunda edição. Escreveu o argumento e o roteiro e conduziu as entrevistas do documentário Pesado – Que Som É Esse Que Vem de Pernambuco?

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Depois de passar a vida rodando por todos os estados brasileiros, meu sonho ainda é ir morar no Nordeste, onde encontrei os brasileiros mais alegres e solidários.

Tenho saudades de João Pessoa, a capital que não perdeu o encanto de cidade pacata e aconchegante, onde o dinheiro é apenas uma moeda de troca, não um objetivo de vida.

Ali ainda se pode viver bem com pouco.

Espero que salvem esta beleza de lugar e sua gente, nem que seja com as próprias mãos, como já estão fazendo.

Bom final de semana a todos.

Vida que segue.