Publicado originalmente no RFI
“A energia atômica com fins militares é um crime”. A frase, do Papa Francisco em viagem oficial pelo Japão neste domingo (24), não deixa dúvidas. O pontífice jesuíta decidiu colocar o dedo na ferida de países, entre eles grandes potências, que continuam a fabricar a bomba atômica, ou que ameaçam fazê-lo.
Para Francisco, “o uso da energia atômica para fins militares é hoje mais do que nunca um crime, não apenas contra o homem e sua dignidade, mas também contra qualquer possibilidade de futuro em nossa casa comum”, disse o papa neste domingo (24) durante discurso no Memorial da Paz de Hiroshima, não muito longe de onde a bomba atômica norte-americana foi lançada em 6 de agosto de 1945.
“No mundo de hoje, onde milhões de crianças e famílias vivem em condições desumanas, o dinheiro gasto e as fortunas envolvidas na fabricação, modernização, manutenção e venda de armas ainda mais destrutivas é uma indignação contínua que grita em direção aos céus”, disse Francisco.
No início do dia, durante visita a Nagasaki, o papa rejeitou a doutrina de que possuir armas nucleares para impedir ataques é o caminho para garantir a paz. Trata-se de uma “falsa segurança” que coloca em perigo as boas relações entre os povos, disse o papa no sudoeste do Japão, onde suas palavras ressoaram na frente dos sobreviventes do bombardeio atômico, no qual pereceram pelo menos 74.000 japoneses. “A verdadeira paz só pode ser uma paz desarmada”, disse Francisco.
Francisco é o primeiro papa a visitar o Japão desde a viagem de João Paulo II em 1981. Apenas 440.000 dos 126 milhões de japoneses são católicos. “Sabemos que a Igreja no Japão é pequena e os católicos são uma minoria, mas isso não deve prejudicar o seu compromisso com a evangelização”, lembrou aos bispos.
As duas religiões principais, xintoísmo e budismo, se misturam na vida dos japoneses de acordo com as circunstâncias.
Cenas do inferno
Os sobreviventes do primeiro ataque nuclear da história, em 6 de agosto de 1945, em Hiroshima, descreveram neste domingo as “cenas do inferno” que haviam testemunhado diante do papa Francisco, que veio ao Japão para pregar o desarmamento nuclear.
Yoshiko Kajimoto era um estudante de 14 anos, a 2,3 km do hipocentro (o ponto zero da explosão), trabalhando ao amanhecer em uma fábrica de motores de aeronaves, quando a bomba caiu sobre Hiroshima, às 08h15 locais. Ele viu uma luz azul através da janela, depois a escuridão na fábrica destruída e depois desmaiou.
Em meio a um cenário de desolação que recupera a consciência, numa noite em plena luz do dia e “um cheiro de peixe podre”. “Comecei a andar e vi pessoas andando ao meu lado como fantasmas, pessoas cujo corpo todo estava tão queimado que eu não conseguia distinguir entre homens e mulheres. Com cabelos desarrumados, rosto inchado que parecia ter o dobro do tamanho normal e lábios pendurados, levavam nas pedaços de pele queimada. Ninguém neste mundo pode imaginar uma cena tão infernal “, disse ao papa.
“Nos dias seguintes a fumaça branca reinava em todas partes. Hiroshima havia se transformado num crematório”. Cerca de 140 mil pessoas morreram no ato e nos meses seguintes.
Fukushima
Francisco se encontrará em Tóquio na segunda-feira (25) com vítimas do terremoto de magnitude 9 no nordeste do Japão e do tsunami, que matou cerca de 18.500 pessoas em 11 de março de 2011, uma catástrofe natural seguida do desastre nuclear de Fukushima.