Este não é um texto para detonar o Lobão. Mas é um texto para lamentar e tentar entender seu desespero por atenção com resultados auto-destrutivos, bem como comprovar o valor artístico do cara, independente da posição política.
Lobão é um caso interessante de um artista que foi mesmo ainda vivo. É normal falar “Raul Seixas foi um grande artista”. Mas o Cauby Peixoto, que está vivo, “é um grande artista”, muito embora não lance nada novo há 30 anos.
Lobão está vivo e, no entanto, foi. Não é. Porque é quase como se fosse outra pessoa.
Ter se juntado ao que há de pior no Brasil em nome de algo que para ser generoso é no mínimo questionável, foi imperdoável para seus fãs lá de trás. A histeria também não ajudou. Nada, de uns 5 anos para cá, ajudou.
Me entristece saber que houve eventos cancelados por falta de procura. Talvez isso me motive a escrever este texto. Talvez a posição política não devesse se confundir com a obra. Ou talvez ele mesmo tenha trazido a posição política demasiadamente para dentro da obra.
Mas a obra do Lobão tem passagens muito interessantes. Belas melodias, belas poesias. Para mim, ele atingiu o ápice artístico com trinta e tantos ou quarenta e poucos, provavelmente, com “A Vida É Doce”. É uma crônica poética. Vou tomar a liberdade de transformá-la em texto.
“Com a mesma falta de vergonha na cara eu procurava alento no seu último vestígio; no território da sua presença; impregnando tudo que eu não posso e nem quero deixar que me abandone. E de repente o telefone toca é e você do outro lado me ligando; devolvendo a minha insônia, minhas bobagens, pra me lembrar que eu fui a coisa mais brega que pousou na sua sopa. Me perdoa daquela expressão pré-fabricada, de tédio, tão canastrona, que nunca funcionou nem funciona. Me perdoa. A vida é doce. São novamente quatro horas e eu ouço o lixo do futuro no presente que tritura as sirenes que se atrasam pra salvar atropelados que morreram, que fugiam, que nasciam, que perderam, que viveram depressa, depressa demais. A vida é doce – depressa demais.”
Isso não é qualquer coisa. Isso é muito grande. Isso é gigante.
No entanto, é triste notar que a crônica final do Lobão, não é “Décadance Avec (ou “sans”) Élégance” como a maioria das pessoas têm dito por aí. É “A Queda”, que aliás, parece que ele tem dedicado à Dilma em alguns shows, sem perceber que fala mesmo é sobre ele. Vou separar um verso em especial:
“Diante do medo um sorriso aeróbico
Nas bochechas a cãibra de uma alegria incompleta
Nada como um sorriso burro e paranoico
Para não perceber a velocidade terrível da queda
Para não perceber a velocidade terrível da queda”
Lobão foi um grande artista. Deixou uma obra com passagens brilhantes. Eu, ao contrário de vários de seus companheiros de passeatas, não quero que ninguém se mate não. Espero que ele fique bem, recupere o juízo e viva muitos anos.
Mas não se pode fingir que não aconteceu o óbvio: ele foi, com um sorriso paranoico, aeróbico, com cãibra e alegria incompleta, esmagado pela velocidade terrível da queda.