“A volta do gigante bobo”: a estreia de Serra nas Relações Exteriores. Por José Cassio

Atualizado em 15 de maio de 2016 às 9:18
Cada povo tem o Churchill que merece
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“Por muito tempo, o Brasil foi o gigante bobo da América do Sul, um país que só seguia os passos dos norte-americanos e europeus. Aí vieram Lula e Dilma, e o Brasil virou um gigante extraordinário com luz e voz próprias. Temer e seus aliados querem que o Brasil volte a ser o gigante bobo”.

Bastaram 55 palavras para a deputada venezuelana Ilenia Media, líder do partido Pátria para Todos, definir com precisão a destemperada medida de José Serra de abrir guerra aberta aos países bolivarianos 12 horas após tomar posse como ministro das Relações Exteriores do governo de Michel Temer.

Serra, como esperavam os que o conhecem, agiu por impulso, pensando em garantir a sua já tradicional notinha de rodapé na Folha e no Estadão logo na primeira edição do pós-golpe.

Novamente se deu mal: não passou 24 horas teve de engolir que não apenas os bolivarianos mas também o Uruguai não tem intenções de reconhecer Temer (PMDB) como chefe de Estado brasileiro.

E que o governo do Chile igualmente demonstra preocupação – para não dizer da desconfiança generalizada mundo afora com a instabilidade política no país.

Ok, era natural que, sendo um cético inveterado, Serra se recusasse a aceitar um ministério como a Saúde ou a Educação, por exemplo. Dão trabalho e há pouco a fazer em pastas tão caóticas num governo que nem o ambulante da Esplanada acredita muito.

O ministério da Fazenda, como ele queria e se chegou a cogitar, seria impensável, pois Michel Temer tem lá seus defeitos, mas bobo não é: Serra é literalmente odiado por 10 entre 10 dos maiores empresários do país.

Mas era mesmo necessário confiar a ele a diplomacia brasileira, num momento como este?

Para fugir do lugar comum do vinho que tomou na cara recentemente de Kátia Abreu, após um comentário deselegante numa festa em Brasília, puxei pela memória fatos que provam que Serra pode ser tudo, menos um homem afável, qualidade mínima que se espera de um diplomata.

Fui ao youtube e lá está o vídeo de quando era ministro da Saúde e condenou Xuxa pela gravidez.

Palavras dele, José Serra: “Eu fico imaginando quantas adolescentes não se influenciaram pela produção independente de Xuxa com a Sasha”.

Por telefone, falando ao Jornal Nacional, a apresentadora lembrou que, mesmo não sendo casada, tinha condições de criar a filha.

Disse ainda que o que lamentava era a condição do povo, sempre vítima de “políticos que preferem dar entrevistas de impacto invés de tomar decisões que melhorem a vida das pessoas”.

A melhor definição para o imbróglio veio do finado Antônio Carlos Magalhães.

“Só faltava o Serra brigar com a Xuxa”, caçoou o então senador baiano. “Agora, não tem mais ninguém. Ele já brigou com todo mundo”.

Serra já brigou com Felipão, recentemente com Tasso Jereissati e vive as turras com Deus e o diabo. É uma unanimidade: ninguém nunca fica do lado dele.

Nem com criança consegue ser agradável.

Virou meme na web a cena num campinho de terra na periferia de São Paulo em que ele, furiosamente, investe na cobrança de um pênalti contra um menino de 10 anos – assustado, o garoto pega a bola, mas o sapato do então candidato vai parar no fundo da rede.

“Eu não estava com um sapato bom”, foi o comentário de Serra após o ridículo.

Apenas a título de comparação: você imagina o prefeito Fernando Haddad fazendo um comentário desses? E Geraldo Alckmin?

Os críticos dizem que Serra optou pelo ministério das Relações Exteriores, após Temer ter-lhe negado a Fazenda e o Planejamento, porque considera que a pasta lhe dará certa visibilidade, sem uma cobrança por resultados no dia a dia.

Ou seja, pouco serviço e a chance de fazer o que mais gosta: intriga e garantir notinhas de rodapé nos jornais.

Salvo eu esteja muito enganado, a síntese da deputada venezuelana é a que vai prevalecer: o gigante bobo voltou.