A “Wal do Alckmin”: sobrinha de Geraldo vivia em Pindamonhangaba (SP) com cargos na Câmara. Por José Cássio

Atualizado em 16 de agosto de 2018 às 17:02
Alckmin e a sobrinha Myriam fazem campanha em Pinda (SP)

Walderice Santos da Conceição era uma ilustre desconhecida dos brasileiros até a semana passada.

Ganhou seus 15 minutos de fama durante o debate da Band, no momento em que Guilherme Boulos, presidenciável do PSOL, encarou Jair Bolsonaro, concorrente do PSL, e perguntou:

– Quem é Wal?

Para não encompridar a história: Walderice, a Wal, 49 anos, é uma funcionária do gabinete de Bolsonaro que dava expediente na vila de Mambucaba, próxima de Angra dos Reis, onde fica a casa de veraneio do deputado.

Ganhava menos de 1,5 mil reais por mês e, segundo Bolsonaro, seu trabalho era reportar a ele ou ao seu chefe qualquer “problema na região”.

Wal vendia açaí e cupuaçu na praia e, ainda segundo Bolsonaro, em alguns momentos do dia dava água para seus cachorros. Abordada de surpresa por repórteres da Folha, ela foi rápida no gatilho. Ligou para Brasília e pediu exoneração do cargo. 

É justo que o caso tenha tomado grande notoriedade, afinal envolvia o nome do polêmico ex-militar candidato à presidência, mas também é aconselhável explicar que situações como a de Wal, além de serem legais (salvo ela tivesse sido flagrada prestando serviços pessoais ao chefe), são muito mais comuns do que imaginamos.

Um exemplo disso é Myriam Alckmin, moradora de Pindamonhangaba, interior paulista, e que vem a ser sobrinha do candidato do PSDB, Geraldo Alckmin.

Filiada a um partido político, o PPS, ex vice-prefeita da cidade, ex-candidata a deputada estadual, Myriam quando está nomeada em algum gabinete no Congresso também costuma dar expediente longe de Brasília e, pelo que se pode acompanhar em seus posts nas redes sociais, é comum estar cuidando de assuntos pessoais durante horário de expediente em dias úteis.

O DCM foi ao setor de transparência saber sobre a presença de Myriam no quadro de funcionários de “livre nomeação” já que a própria informa, em sua página no Facebook, ser funcionária da Câmara. 

No Facebook, Myriam se diz secretária da Câmara dos Deputados

Como Wal, a sobrinha do ex-governador de São Paulo não está ativa neste momento na folha de salários da Casa.

Nesta legislatura, entre maio de 2015 e janeiro de 2017, com salário líquido de R$ 6.253,93, o primeiro, e R$ 2.792,23, o último, entre nomeações e exonerações passou por quatro gabinetes diferentes: Pollyana Gama, Roberto Freire e Arnaldo Jardim, todos do PPS, e Duarte Nogueira, do PSDB.

Uma rápida zapeada pela página de Myriam já é suficiente para descobrir que, como Wal, que usava parte do dia para garantir um a mais com a venda do açaí, a sobrinha do tucano também aproveitava os dias na aprazível cidade aos pés da serra da Mantiqueira para cuidar da vida.

São frequentes fotos publicadas em dias da semana, e em horários de expediente, no ano de 2016, em salões de beleza fazendo as unhas e pintando o cabelo.

Em outros momentos, e isso se legitima por ser ela uma reconhecida liderança política em ‘Pinda’, a sobrinha de Geraldo esteve em eventos para apoiar o tio e participar de inaugurações, como a de uma nova escola na cidade.

Passeios com as amigas também eram frequentes, como uma ida a um restaurante na tarde de uma quarta-feira, 27 de abril de 2016, e em 8 de novembro, uma terça do mesmo ano, quando pegou a estrada para prestigiar o lançamento do livro de uma amiga na vizinha Taubaté.

“Mas o que há de errado nisso tudo?”, você deve estar se perguntando neste momento.

Nada, se levarmos em consideração o Ato da Mesa nº 72 da Câmara, de 1997, que regula as nomeações de cada deputado e determina que o “exercício da função deve ser em Brasília ou no Estado de representação do parlamentar” – Walderice foi alocada no Rio de Janeiro, onde Bolsonaro foi eleito, e Myriam em Pinda, interior do estado de origem dos quatro deputados a quem serviu nos 21 meses entre 2015 e 2017.

O que chama a atenção não é exatamente a legalidade ou não das duas histórias, mas sim o fato de receberem tratamentos distintos: se para Myriam Alckmin é considerado normal atuar nos horários que melhor lhe convêm, por que para Wal a mesma conduta é motivo justo de suspeição e crítica?

Com Roberto Freire, do PPS, num dos gabinetes em que trabalhou