É preciso ler toda essa entrevista para entender a dimensão terrível da declaração do tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo.
O novo comandante da Rota não é um monstro bolsonarista cuspindo marimbondos, mas um homem aparentemente ponderado, terceira geração de uma família de PMs, um pai que deseja que os filhos pré-adolescentes adotem a profissão que quiserem, desde que sejam felizes.
Lembrei-me, de imediato, do conceito de “banalidade do mal” criado por Hannah Arendt durante a construção de sua obra fundamental, o livro “Eichmann em Jerusalém”.
Hannah enfrentou violentos ataques da mídia e da comunidade judaica do pós-guerra (e pós-Holocausto) por ter se negado a definir Adolf Eichmmann como uma besta fera nazista sedenta de sangue judeu.
Depois de acompanhar o julgamento do oficial alemão, em Jerusalém, a filósofa judia o descreveu como um burocrata comum, o servidor que não se recusava a obedecer as ordens de seus superiores, no caso, enviar milhares de judeus para a morte em campos de concentração.
O mal era, pois, apenas uma banalidade.
O tenente-coronel Ricardo Augusto disserta, banalmente, sobre a existência de cidadãos de segunda categoria e a forma como estes devem ser tratados, embora ele, policial militar, também seja pago pelos impostos dessa casta inferior de contribuintes.
Não há rancor nem ódio de classe na narrativa do PM, mas uma sinceridade fria, típica dos burocratas – fardados ou não – que recebem missões a serem cumpridas sem nenhum filtro crítico, humanista ou racional.
Como no caso de Eichmann, não é a violência do ato, mas a terrível banalidade com a qual é tratado, que revela o terror embutido na declaração do tenente-coronel.