Abril deu cobertura ao golpe de 2016, como deu ao de 1964. Por José Dirceu

Atualizado em 29 de agosto de 2018 às 16:30
Editora Abril. Foto: Reprodução/Comunique-se

Publicado originalmente no Nocaute

POR JOSÉ DIRCEU, ex-ministro

Não pode haver prova maior da falta de compromisso social, democrático, ético, do que jogar na rua da amargura 800 funcionários que construíram essa empresa.

Meus amigos e minhas amigas do Nocaute, volto para reiniciar nossas gravações, nosso diálogo, nosso contato semanal.

Hoje infelizmente tenho que tratar de um tema triste: a vergonhosa demissão de 800 funcionários da Editora Abril. Uma demissão planejada e combinada com um pedido de recuperação judicial para impedir que os trabalhadores tivessem acesso a seus direitos: ao saque de fundo de garantia, à guia do seguro desemprego, às verbas rescisórias. Jogando na rua da amargura família de trabalhadores que dedicaram uma vida à Abril. Não só jornalistas, repórteres, mas editores, fotógrafos, técnicos, terceirizados. Mais grave ainda, pagaram de pagar a dívida com os demitidos de 2017.

A verdade é que, com essa manobra, protegem o patrimônio pessoal dos proprietários, os filhos de Roberto Civita. Como fica toda a propaganda, toda a política editoral da Abril, principalmente da Revista Veja, defendendo a igualdade, a justiça, o compromisso social, a ética, a honestidade, o interesse nacional, quando nós sabemos que se associaram com um grupo racista que protegeu e deu cobertura, mais do que isso, forneceu três primeiros-ministros para os governos racistas da África do Sul, o grupo Naspers?

Foi aprovada no Congresso uma emenda constitucional de encomenda para salvar a Editora Abril, que vendeu 30% do seu controle para esse grupo. No passado sabemos que a Abril demitiu seu mais importante editor para ficar bem com a ditadura militar, com o ministro da Justiça, Armando Falcão, o ditador de plantão, para ter acesso a créditos na Caixa Econômica.

Falo desse caso porque é um símbolo de como se comporta a mídia brasileira. Diz que defende o interesse e a cultura nacional, mas se associa a um grupo racista. Abandonou uma linha pluralista, que respeitava a diversidade do nosso país, as diferenças regionais, étnicas, ideológicas, políticas, culturais, para adotar uma linha reacionária.

Deu cobertura para o golpe de 2016 como havia dado para o golpe militar. Foi parceira da ditadura militar. É preciso denunciar o comportamento desses barões da imprensa, que esquecem que toda a Abril, todo seu sucesso, toda a fortuna que conquistaram foi devido ao trabalho desses 800 funcionários demitidos sem direitos.

Fica aqui o nosso protesto e a nossa denúncia da hipocrisia, da falsidade do discurso totalmente diferente da prática. Não pode haver prova maior da falta de compromisso social, democrático, ético, do que jogar na rua da amargura 800 funcionários que construíram essa empresa.