Alyssa Veiga e as irmãs Andressa e Priscila Zgoda compartilham histórias de ter nascido, crescido e, posteriormente, fugido da seita “A Família”. Hoje em dia, elas relatam que não conseguem se adaptar ao mundo “real”.
Seus pais, influenciados pelo movimento, uniram-se ao grupo quando tinham apenas 17 e 18 anos. O ambiente hippie e musical da seita, fundada por David Berg em 1968, marcou a infância de Alyssa entre estadas no México e no Rio de Janeiro.
A “Família”, antes conhecida como “Os Meninos de Deus”, proporcionou uma infância isolada para Alyssa, que só ingressou na escola aos 14 anos. Somente décadas depois, ela compreendeu a extensão da violência à qual foi submetida. Andressa e Priscila Zgoda, agora com 32 e 29 anos, respectivamente, também compartilham histórias semelhantes de abuso na seita.
“Já não era uma comunidade fechada, tínhamos um pouquinho mais de contato com o mundo. Então eu pedi para sair [da seita], porque não tínhamos direito ao estudo. Nossos livros sempre vinham de doações, sem sequência material. Era o que tinha disponível, nunca tinha estudado de forma correta até então”, lembra Priscila.
“Ele sempre batia de frente com muitas informações e queria sair. Chegou um momento em que não conseguia mais aceitar”, conta Andressa.
Na época, Alyssa, Andressa e Priscila, todas com idades entre 14 e 15 anos, enfrentaram a dura realidade de que teriam que “recomeçar do zero”. Esse recomeço envolveu a necessidade de frequentar o supletivo para obter um diploma da educação básica. Posteriormente, elas buscaram ingressar no colégio para concluir o ensino médio, visando adquirir conhecimentos essenciais para conseguir emprego e garantir sua subsistência.
“Lembro que ia muitas vezes ao shopping só para sentar e ver como as pessoas agiam, como interagiam, o que faziam. Me sentia completamente fora da casinha. Não tinha as mesmas referências e, até hoje, quando falam que algo é da minha época, não sei do que estão falando”, conta Priscila.
Alyssa também diz que precisou “reaprender tudo”. Quando entrou finalmente no colégio, após anos estudando em casa, percebeu que era diferente das outras pessoas em muitas coisas.
“Foi bem pesado e confuso chegar ao ensino médio, um choque cultural. Era uma completa estranha e tinha de inventar respostas para algumas perguntas: ‘De que escola você veio? Por que você fala tão bem inglês?’. Tive colegas da seita que me acompanharam nisso e todo mundo sofreu, ninguém queria ser esquisito. Não sabíamos fazer amizade e tínhamos de guardar muitos segredos”, relata.
Andressa também disse que acordava gritando relembrando o que já havia vivido: “Tinha pesadelo revivendo tudo. Acordava gritando, chorando e sempre ficava imaginando muitas cenas que eu tinha passado”.
Priscila disse ainda que o pai se arrepende do que fez: “Fiquei horrorizada e muito revoltada, porque entramos nisso sem poder escolher. É um dos maiores arrependimentos do meu pai, que pede desculpas constantemente e diz que tinha esperança de que tudo fosse um projeto de Deus, que salvaria vidas”.