Publicado no blog de Marcelo Auler
A ação penal proposta contra o atual reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ubaldo Cesar Balthazar, e o seu chefe de gabinete, Aureo Mafra de Moraes, acusados pelo procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos pelo crime de injúria contra a delegada federal Erika Mialik Marena, foi distribuída, “por dependência”, à juíza Janaína Cassol Machado, da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis.
Ou seja, o processo que busca condenar o reitor e o chefe de gabinete da universidade por não terem impedido uma manifestação crítica aos “agentes públicos que praticaram abuso de poder contra a UFSC e que levou ao suicídio do reitor” (como consta da faixa que gerou a ação penal), acabou nas mãos de uma das criticadas na mesma faixa. Janaína foi responsável pela prisão do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier que, sentindo-se humilhado, suicidou-se.
A cobrança dos manifestantes na cerimônia no hall da reitoria, em 18 de dezembro passado – “pela apuração e punição dos envolvidos e reparação dos malfeitos” -, não se relacionou apenas à delegada federal que conduziu a operação Ouvidos Moucos. Atingiu também a juíza Janaína e o procurador da República André Stefani Bertuol, que atuam no caso. As fotos dos dois estavam ao lado da de Érika, como mostra a reprodução ao lado.
A juíza foi quem, a pedido da delegada e com a concordância do MPF, decretou a prisão do reitor – motivo do seu suicídio. Dos três, porém, somente a delegada ofereceu representação por se sentir atingida na sua “honra funcional”, pelo que descreveu o procurador Aydos na denúncia contra reitor e o chefe de gabinete.
Como noticiamos em Procurador da República ignora STF e denuncia reitor da UFSC, a ação penal contra os dois (Proc. 5015425-34.2018.4.04.7200) foi protocolada na sexta-feira (24/08), embora datada do dia anterior. Somente na terça-feira (28) ocorreu a distribuição na Justiça Federal de Santa Catarina (JFSC). Pelo sistema consta que ela chegou à 1ª Vara Federal Criminal daquele fórum, “por dependência” ao procedimento 50041517320184047200. Para o público em geral, o mesmo sistema da Seção Judiciária de Santa Catarina registra que esse “código do processo não corresponde a um processo cadastrado”.
Como mostra a foto ao lado, o número 50041517320184047200 refere-se ao tombamento naquela seção judiciária, em 16 de março de 2018, do Inquérito Policial (IPL) 0120/2018 SR/DPF/SC.
Trata-se do Inquérito Policial instaurado a partir da representação apresentada pela delegada Érika, uma vez que a faixa, como alega o procurador na denúncia, “inequivocamente ofende a honra funcional subjetiva” da delegada, “dando causa injustamente a diminuição do sentimento pessoal de autoestima, eis que publicamente caracterizada pela qualidade negativa de “agente público que pratica abuso de poder” e necessita de “punição” para “reparação dos [seus] malfeitos”.
Este inquérito, como constataram advogados a pedido do Blog, permanece em “segredo de justiça nível 1”, o que significa que somente as partes têm acesso ao mesmo. No caso, as partes – o reitor e o chefe de gabinete, assim como seus advogados – evitam comentar o caso em si.
Há ainda, como relata o procurador Aydos na denúncia cuja íntegra publicamos na reportagem acima citada, outro inquérito instaurado na Superintendência da Polícia Federal de Santa Catarina – IPL 0643/2017 (5026418-73.2017.404.7200). Ele “apura a confecção e exposições da faixa”. Pelo que se depreende, além de tentarem punir o reitor e o chefe de gabinete por não usarem o “poder de polícia” para impedir a manifestação, querem identificar e tentar punir quem se manifestou, usando de um direito constitucional.
O curioso é que o inquérito que investigou reitor e chefe de gabinete por não impedirem uma manifestação na qual a própria juíza foi envolvida nas críticas dos manifestantes não identificados, tramite na Vara em que ela atua e esteja diretamente vinculado à mesma.
Advogados alegam que um Inquérito, mesmo que tombado judicialmente, costuma tramitar apenas entre a polícia e o Ministério Público, sem participação do juízo. Uma meia verdade, pois caso a investigação necessite de alguma das chamadas “medidas invasivas e/ou coercitivas” (como quebra de sigilo, busca e apreensão, etc.) haverá necessidade da manifestação judicial. Portanto, é questionável se já no tombamento do IPL a juíza não deveria se dar por impedida.
Janaína, pelo que o Blog conseguiu levantar, encontra-se de férias até 14 de setembro. Quem responde pela 1ª Vara Federal é sua substituta, Simone Barbisan Fontes. No sistema, porém, a denúncia foi distribuída à titular da Vara (a distribuição entre juízes tem como regra se o algarismo final do processo é par ou ímpar). O juiz pode recusar a denúncia de imediato, ao entender que não há crime ou que ela é inepta. A questão, porém, é se a juíza Janaína pode atuar em um caso no qual, ainda que indiretamente, está envolvida?
Um caso que por si só gera debate no meio jurídico. Inclusive no próprio Ministério Público Federal, apesar de, como dizem alguns procuradores, ser difícil mensurar no quadro atual da Procuradoria da República qual percentagem concordaria com esta denúncia. Em uma consulta do Blog a alguns de seus membros um deles deixou claro que por conta da pluralidade da instituição é “difícil falar em maiorias e medi-las”. Porém, acrescentou: “certamente a denúncia trouxe desconforto a muita gente.”
Outro procurador admitiu que na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) certamente a posição do procurador Aydos não encontra respaldo. “Mas saber o pensamento do pessoal de 1ª instância é impossível, não tem como aferir”, concluiu.
Uma terceira fonte do Blog disse que entre procuradores há quem classifique a denúncia como uma “barbaridade”, explicando o motivo: “o problema está em imputar responsabilidade pelo fato de terceiros terem colocado uma faixa”.
Na reportagem Corporativismo: MPF encampa perseguições e denuncia novo reitor da UFSC , no site Jornalistas Livres, consta que “pelo menos dois procuradores do MPF em Santa Catarina estão insatisfeitos com a intervenção indevida do órgão neste e em outros processos contra professores e dirigentes da UFSC, jornalistas e militantes sociais que criticaram os abusos de poder relacionados à prisão e morte do reitor Luiz Carlos Cancellier”.