Publicado no Blog de Marcelo Auler
Há exatos 365 dias, a Polícia Federal, com o aval do Ministério Público Federal e da Justiça, deflagrava, a partir de Florianópolis (SC), a Operação Ouvidos Moucos. A pretexto de combater uma suposta corrupção – que não ficou clara até o momento – invadiram casas e prenderam seis professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC): o então reitor Luís Carlos Cancellier Olivo, e os professores Marcos Baptista Lopez Dalmau, Marcio Santos, Rogério da Silva Nunes, Gilberto de Oliveira Moritz, Eduardo Lobo.
A pedido da delegada federal Érika Mialik Marena e com a concordância do procurador da República André Stefani Bertuol, a juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Janaína Cassol Machado, ainda os afastou das funções da universidade, impedindo-os até de ingressarem no campus. Todos foram soltos no dia seguinte por decisão de outra magistrada, Marjôrie Cristina Freiberger, que substituía Janaina em licença médica.
Ao se sentir humilhado após ser preso, levado a um presídio, obrigado a vestir um macacão laranja como presidiário, ser acorrentado aos pés e, ainda por cima, se ver impedido de pisar na universidade à qual dedicou seus últimos 12 anos, Cancellier suicidou-se, em 2 de outubro, jogando-se do 7º andar de um shopping. Levava no bolso o bilhete com os dizeres reproduzidos na ilustração acima.
Um ano depois de todo o estardalhaço e humilhação que a Operação Ouvidos Moucos provocou, não houve qualquer denúncia judicial. No relatório do inquérito da Policia Federal nada ficou provado com relação a Cancellier. Apesar disso, a perseguição continua. A pedido da delegada Érika foi aberta investigação contra o atual reitor Ubaldo Cesar Balthazar e o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, por conta de uma faixa exposta por manifestantes quando da fixação da foto de Cancellier na galeria de ex-reitores da UFSC, em dezembro passado.
Professores permanecem afastados
Tal perseguição levou o procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos a denunciar os dois pelo crime de injúria que eles não praticaram. Tanto que a denúncia foi rejeitada pela juíza Simone Barbisan Fortes, como mostramos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos.
Não satisfeito, o procurador insistiu no processo contra os dois, recorrendo da decisão da juíza. O comportamento de Aydos, por sua vez, chamou a atenção do representante da OAB no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Leonardo Acciolly da Silva, que oficiou ao corregedor geral do órgão, Orlando Rochadel, pedindo uma investigação sobre o caso.
Para Acciolly da Silva, o procurador “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”(leia em Por querer censura na UFSC, procurador será investigado).
Mesmo sem que qualquer processo aberto contra eles, os demais professores atingidos pela Operação Ouvidos Moucos permanecem afastados de suas funções. Somente, às vésperas do primeiro aniversário da operação policial/midiática, na terça-feira (11/09) foi que a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região atendeu parcialmente o mandado de segurança a favor do professor Marcos Baptista Lopez Dalmau. O autorizou a voltar às atividades, mas o manteve afastado do programa de Ensino à Distância (EaD) e do Laboratório de Produção de Recursos Didáticos para Formação de Gestores (LabGestão)”. Os outros quatro atingidos permanecem impedidos de pisar no campus.
Para lembrar a tragédia que se abateu sobre a sua família a partir do 14 de setembro do ano passado, o irmão do ex-reitor, Acioli Cancellier de Olivo, publicou uma Carta Aberta dirigida aos demais professores atingidos pela Ouvidos Moucos. No texto, que reproduzimos na íntegra abaixo, citando um artigo do jornalista Reinaldo Azevedo, publicado na Folha, ele afirma sobre a ação da Polícia Federal:
“a violência da ação mudou drasticamente a vida de vocês e de suas famílias; foi o ato inicial de uma tragédia que nos levou o Cau, abalou profundamente nossa família, seus familiares, os amigos em comum, a UFSC e por que não dizer, o país inteiro que não se submete à ditadura dos tanques e togas, citando um jornalista“.
Ao final, conclama:
“Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. Conclamo aos que não se conformam com o arbítrio, a se juntarem nesta escalada, pois citando o mesmo jornalista, ‘nas ditaduras, não há lugar para míopes inocentes’.”
Nada muito diferente do que fala, nesta sexta-feira (14/09), Ricardo Kotscho em seu Balaio do Kotscho sobre as barbaridades que Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa do capitão Jair Bolsonaro, anda pregando e prometendo. No artigo “Perigo à vista: general Mourão, vice do capitão, ameaça a democracia” ele cobra:
“Cadê a sociedade civil que se mobilizou em 1984 contra a ditadura e pela volta da democracia com eleições diretas para presidente da República? Aonde se esconderam a OAB, a CNBB, a ABI e todas as outras entidades que arrostaram o regime do arbítrio já em seus estertores? (…) Agora que esta grande conquista da minha geração está novamente ameaçada, todo mundo vem mantendo um obsequioso silêncio diante do avanço escancarado do general Mourão contra o Estado de Direito“.