Acordo com a União Europeia é a pá de cal na indústria brasileira, diz Belluzzo

Atualizado em 3 de julho de 2019 às 21:27
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo (Foto: Reprodução/YouTube)

Além de frustrar quem imaginava que fosse ajudar na entrada de brasileiros no continente europeu, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia traz pelo menos uma outra má notícia: deve acentuar ainda mais a crise na indústria nacional, que vem perdendo competitividade desde a criação do Plano Real, em 1994.

A opinião é do economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo, que analisou para o DCM possíveis impactos desta primeira versão do texto, apresentada na segunda-feira (1).

Segundo Belluzzo, setores como o de autopeças, maquinário e, principalmente, químicos e fármacos serão os mais prejudicados.

“Os europeus, que estão desconfortáveis com as medidas protecionistas do presidente dos EUA, Donald Trump, viram no acordo uma oportunidade de expansão do seu setor industrial”, diz o economista. “Especialmente nossa indústria química, que vinha experimentando um respiro com a produção de medicamentos genéricos, vai sofrer bastante”.

Setores como o de maquinários e autopeças, que há duas décadas só apresentam resultados negativos – a indústria de transformação em geral diminuiu em 16 pontos percentuais sua participação no PIB, passando de 27,5% para os atuais 11% -, também serão bastante afetados.

Belluzzo, no entanto, ressalta que o texto precisa passar pelo crivo do Parlamento Europeu e instâncias internas de cada país, inclusive Brasil, Argentina e os demais do Mercosul.

Do lado europeu, o economista lembra as dificuldades que se terá de enfrentar sobretudo entre os agricultores da França.

Nesta terça (2), a porta-voz do governo francês, Sibeth Ndiayeapós, afirmou que o país não está preparado para ratificar o acordo.

Os franceses temem os efeitos para seu influente setor agrícola, que seria afetado pela oferta de produtos sul-americanos.

Belluzzo lembra que os agricultores da França são dependentes dos subsídios europeus.

Organizados em propriedades familiares, alegam que não conseguirão competir porque as diferenças de produção dos dois continentes não os favorecem – enquanto na UE as normas ambientais são cada vez mais rígidas, na América do Sul são largamente utilizados antibióticos, hormônios do crescimento e soja geneticamente modificada.

O acordo foi anunciado durante a cúpula do G-20, no Japão, após 20 anos de negociações.

Na opinião de Belluzzo, o governo brasileiro teve pouca ou quase nenhuma influência.

“A sensação que ficou é que Bolsonaro pegou o trem em movimento para disfarçar o vexame da presença do país na cúpula, especialmente pela prisão do militar portando 39 quilos de cocaína em território espanhol”, disse o economista.

Além de selar a crise na indústria, o acordo, se e quando for efetivado, também vai obrigar o governo a romper com o agronegócio, pois irá obrigar produtores a assumir compromissos de produção menos invasivas e com respeito ao meio ambiente.

“Em síntese”, diz Gonzaga Belluzzo, “pode ser bom para o setor agrícola, mas fere quase de morte a indústria nacional”.

Isso, na opinião do economista, não é um bom caminho no longo prazo.

“O Brasil viveu sua expansão fortemente alicerçada no setor urbano industrial, teve uma indústria pujante e diversificada, e agora o que restou é a esperança no agronegócio. Em que pese ser um setor avançado e competitivo, ele tem menos potencial de geração de emprego e renda”.

Não por acaso, diz Belluzzo, preocupados com o protecionismo de Trump, e com a cada vez mais pujante indústria chinesa, os europeus encontraram nos países do Mercosul a tábua de salvação para a desova de seus produtos industrializados.