PUBLICADO NA REDE BRASIL ATUAL
POR EDUARDO MARETTI
A informação de que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) pautou para terça-feira (7) o julgamento de uma representação na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusa o procurador Deltan Dallagnol e outros membros da Lava Jato de Curitiba de abuso de poder, no célebre caso da entrevista do Power Point, em 2016, reflete uma briga política no interior do Ministério Público Federal. O presidente do CNMP é Augusto Aras, Procurador-Geral da República.
O cientista político Frederico de Almeida, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), relaciona a decisão de pautar o julgamento de Dallagnol com a eleição de Aras à PGR, com destaque para dois aspectos. O primeiro é que a Lava Jato ajudou na eleição de Jair Bolsonaro e, o segundo, são os próprios conflitos internos no Ministério Público.
Aras foi para a PGR correndo por fora, lembra Almeida, e não figurava nem na lista tríplice tradicional para a escolha do procurador-geral. “Quando Aras foi indicado pelo presidente, já se sabia que haveria conflitos internos, que estão aparecendo agora. Aras não teria legitimidade como procurador-geral, já que só chegou por ser pinçado pelo presidente. Colocar em pauta tal julgamento hoje é arriscado, já que Aras e os procuradores estão num embate aberto”, avalia o analista.
O conflito não se resume ao embate entre Aras e a Lava Jato, diz o professor da Unicamp. “É praticamente o grupo do Aras contra grande parte do Ministério Público. A questão é que não é só Aras contra o MP, está em jogo também a divisão da direita, a partir da saída de Sergio Moro do governo, entre lavajatismo e bolsonarismo.
Freio
O advogado criminalista Luiz Fernando Pacheco também vê uma disputa entre os lavajatistas e os não lavajatistas. “Mas me parece que Aras está sinalizando que tenta por um freio à Lava Jato”, diz.
Para Almeida, o julgamento de Dallagnol “pode ser só uma intimidação, num momento em que Aras está sendo criticado por uma interferência indevida, mas pode também ser um blefe dele, para depois retirar da pauta ou suspender o julgamento, por exemplo”.
O embate entre procuradores e Augusto Aras é explícito. Entre 23 e 25 de junho, a subprocuradora Lindora Araújo, coordenadora do grupo de trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), foi a Curitiba para copiar bancos de dados sigilosos de investigações da Lava Jato.
Os procuradores ficaram muito irritados com a diligência de Lindora, subordinada de Aras, e a acusaram de intervenção indevida. A justificativa oficial do procurador-geral da República para a “intervenção” é concentrar na PGR os dados sigilosos, o que, na prática, seria um controle sobre os procuradores e a Lava Jato.
“O que vejo é surgir um discurso interno para acabar com as forças-tarefas”, protestou Dallagnol pelo Twitter.
A distribuição, por Bolsonaro, de cargos para partidos do Centrão é emblemática. Muitos ou quase todos os partidos do Centrão são alvos da Lava Jato. “Nunca acreditamos no compromisso de Bolsonaro com a causa anticorrupção”, disse um investigador da operação, sob anonimato, segundo matéria do Consultor Jurídico.
Para Almeida, a concentração de dados sob o controle de Aras “é perigosa, porque ele tem ligações políticas com Bolsonaro.”
O analista da Unicamp lembra que há fatos relevantes em paralelo, com destaque para a revelação do consórcio entre o FBI e a Lava Jato, de acordo com reportagem feita em parceria da Agência Pública com o site The Intercept Brasil. A Lava Jato, no momento, se vê acuada em duas frentes: a denúncia da reportagem e a investida de Aras.
Lula
Do ponto de vista estritamente jurídico, Pacheco vê como “saudável que o CNMP apure a conduta totalmente fora de padrão de Dallagnol com o uso do PowerPoint, direcionada a prejudicar um réu específico, Lula, que era então primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, fazendo uso de um expediente estranho”.
Para ele, Dallagnol tem que responder por isso. “Já estava clara ali a perseguição dos procuradores ao Lula com a complacência do então juiz Sergio Moro.”
Em suas redes sociais, o ex-presidente Lula afirmou que “Dallagnol montou uma quadrilha com a Força Tarefa da Lava Jato e isso está ficando claro”.