Advogados apontam possibilidade de crime de responsabilidade de Bolsonaro

Atualizado em 21 de abril de 2022 às 22:10
Bolsonaro ao lado de Daniel Silveira, ambos posando para a foto.
Jair Bolsonaro e Daniel Silveira. Imagem: Reprodução

Antes mesmo do julgamento que condenou o deputado federal Daniel Silveira no Plenário do Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira (20/4), o presidente Jair Bolsonaro já havia anunciado que não aceitaria um resultado desfavorável ao parlamentar — e, de fato, não aceitou. Na tarde desta quinta (21), ele anunciou a publicação de um decreto que concede indulto e graça constitucional ao parlamentar. No entanto, o processo contra Silveira não transitou em julgado, ou seja, ainda cabe recurso.

A decisão do presidente causou perplexidade e indignação no Direito brasileiro. Advogados ouvidos pela ConJur apontaram erros no decreto de Bolsonaro e classificaram-no como uma afronta direta ao STF. Mais do que isso: segundo eles, o presidente da República, para defender um parlamentar famoso por sua fidelidade a ele, pode ter cometido crime de responsabilidade.

O advogado e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP Pierpaolo Cruz Bottini chamou a atenção para essa gravíssima possibilidade: “Tendo em conta o precedente da suspensão do indulto do presidente Temer, pelo STF, estamos diante de uma crise institucional. Desobedecer decisão do Judiciário está entre as possíveis aplicações das sanções por crime de responsabilidade”, disse ele, referindo-se a uma decisão do Supremo sobre um decreto de indulto assinado pelo então presidente Temer.

O criminalista Fernando Augusto Fernandes também considera que a publicação do decreto representa um desvio de finalidade e afronta a impessoalidade e a separação de poderes.

“Nesse caso específico poderá o STF apreciar um desvio de finalidade no ato do presidente da República. O precedente que examina a matéria não trata de uma decisão imediatamente após a decisão, que afronta a autoridade da corte e a separação dos poderes”, ressaltou ele.

“Primeiro, destaco os vícios formais: o processo ainda não transitou em julgado e o presidente, via decreto, faz uso de um instrumento constitucional para beneficiar uma pessoa próxima. Tem-se a impressão de que Bolsonaro quer interromper o processo que está em curso. Também destaco os desvios de finalidade: esse decreto deixa claro que o presidente mostra que busca prejudicar o STF, desrespeita a decisão da Câmara que repudiou as atitudes do parlamentar e ainda endossa os crimes cometidos por Silveira”, comentou o constitucionalista Georges Abboud.

Tanto Fernandes quanto Abboud também acreditam que a publicação do decreto pode resultar em crime de responsabilidade, já que o chefe do Poder Executivo desrespeitou o Judiciário — embora Abboud afirme ser remota a possibilidade de punição ao presidente por isso.

Para o professor de Direito Constitucional Lenio Streck, o ato de Bolsonaro não é uma questão de mera análise jurídica, mas também uma disputa política entre os poderes, devendo o STF se impor diante do ocorrido.

“Foi o ato mais grave de agressão à democracia cometido pelo presidente Bolsonaro. Atravessou o rubicão, foi, voltou e atravessou de novo. Pisoteou. Ao conceder a graça ao deputado, Bolsonaro ofende o STF. Há nítido desvio de finalidade. Ultrapassou o limite da separação de poderes. Se o STF decidiu quais os atos que ferem a democracia e ao próprio STF, não pode ser o presidente da República que se arvorará no interprete do interprete. O presidente não é o superego da nação. Há abuso de competência. Quem guarda a Constituição Federal é o STF, não o presidente da República. O Brasil dá péssimo exemplo ao mundo. Só reis absolutistas agem desse modo. Mas ainda há STF no Brasil. Deve haver. Para conter esse abuso”.

O criminalista Aury Lopes Jr, por sua vez, lembrou que a concessão da graça é uma prerrogativa do chefe do Executivo, mas também considerou que houve uma afronta ao STF, que, “se chamado a se manifestar, cumprirá analisar a eventual constitucionalidade ou não, sob o aspecto formal, não o mérito”.

Nos idos de 1945
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e advogado, João Pedro Aciolly constatou em pesquisa sobre o instituto do indulto que a última vez que um presidente da República concedeu perdão de penas em bases personalistas foi em 1945 — e, ainda assim, não foi um benefício ofertado a um indivíduo.

O Decreto 20.082/1945 beneficiava nominalmente os integrantes das Forças Expedicionárias Brasileiras que lutaram na Itália na Segunda Guerra Mundial — os famosos “pracinhas”.

“Desde a Constituição de 1946, os indultos têm sido utilizados apenas como mecanismo de política criminal e controle da população carcerária. Além da natureza geral e abstrata, a tradição estabelecida no Brasil desde a Constituição de 1988 foi a de conceder o benefício ao final de cada ano, daí a expressão ‘indulto natalino'”, explicou ele.

Na opinião de Accioly, a graça concedida por Bolsonaro a Daniel Silveira apresenta-se como uma afronta ao STF e pode gerar uma crise gravíssima entre os poderes.

“O decreto anunciado por Bolsonaro não tem precedente e soa como um desafio intolerável à autoridade do Supremo Tribunal Federal. Muito provavelmente, a constitucionalidade do decreto será avaliada pelo Supremo. Os capítulos seguintes são imprevisíveis e preocupantes”.

Publicado originalmente no Conjur