Aécio, Alckmin e Serra na lama: ainda há muito mais a ser revelado. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 24 de julho de 2020 às 23:27
Goldman é o único limpo nesta foto

Aécio Neves e José Serra já foram adversários ferozes dentro do PSDB, quando ambos disputavam lugar onde só cabia um: a candidatura à presidência da república.

Em 2009, um jornalista amigo de Serra escreveu no jornal O Estado de S. Paulo o artigo “Pó pará, governador?”, uma referência nada sutil ao suposto vício do então chefe do Executivo de Minas Gerais.

Ao mesmo tempo, Aécio fez chegar a Serra que sabia de seu esquema de corrupção e lavagem de dinheiro e, de vez em quando, plantava nota com insinuações que envolviam até a filha dele, Verônica.

Informações que, agora se sabe, eram procedentes.

O que o público não tinha ciência é que, no submundo financeiro da política, os dois tinham pontos em comum. Ou, dito de outra forma, bebiam na mesma mina. O se abasteciam do mesmo cofre.

Durante esta semana, um empresário amigo de Serra, José Seripieri Filho, dono da Qualicorp, foi preso pela suspeita de entregar a Serra em 2014, por meio de caixa 2, R$ 5 milhões, que correspondem em valores atuais a R$ 7,2 milhões.

Também foi preso um ex-diretor da empresa que vende planos de saúde, Elon Gomes de Almeida, homem de confiança de Seripieri.

Segundo reportagem de O Globo, Elon contou à polícia que, em 2014, repassou dinheiro sujo a Aécio Neves, quando este disputava a presidência da república. Teria sido entregue R$ 1 milhão, que corresponde hoje a R$ 1,4 milhão.

A primeira vez que o nome de Aécio Neves apareceu como beneficiário de dinheiro sujo foi em uma lista de 1999, elaborada pelo publicitário Marcos Valério, com recursos arrecadados principalmente de bancos e empreiteiras, via caixa 2, e distribuído a políticos.

Segundo o documento, Aécio recebeu R$ 110 mil (em valores atuais, R$ 590 mil) a título de doação clandestina para a campanha dele a deputado federal em 1998, no grupo político de Eduardo Azeredo, ambos do PSDB.

A lista circulou reservadamente entre os políticos, como forma de pressionar os beneficiários, sobretudo Eduardo Azeredo, a conseguir recursos para saldar dívidas da campanha, especialmente em nome de Cláudio Mourão.

Azeredo tinha sido candidato à reeleição, mas perdeu para Itamar Franco. E por isso ficou sem meios para levantar recursos e saldar as dívidas.

Por meios, entendam-se contratos fraudulentos ou superfaturados. O financiamento se dava, sobretudo, pela contratação de duas agências de publicidade de Marcos Valério, a SMP&B e a DNA Propaganda.

Itamar, que não era ligado a esse grupo, simplesmente não renovou os contratos com as duas agências, e, no âmbito estadual, o jogo cessou por um tempo.

A lista se tornaria pública em agosto de 2012, quando o advogado Dino Miraglia, assistente de acusação no rumoroso homicídio da modelo Cristiana Ferreira, a entregou ao Supremo Tribunal Federal.

Em novembro de 2002, Aécio aparece em outra lista, desta vez como beneficiário de R$ 5,5 milhões (em valores atuais, R$ 16,6 milhões) desviados da estatal de energia Furnas.

Aécio Neves tinha sido candidato a governador pelo PSDB, partido que, no mesmo ano, teve José Serra como candidato a presidente.

Serra também aparece na lista, como beneficiário de R$ 7 milhões (em valor de hoje, R$ 21,2 milhões).

A lista também circulou reservadamente entre os políticos, como forma do autor da lista, Dimas Fabiano Toledo, pressionar por sua manutenção da diretoria de engenharia de Furnas, no que ele foi bem sucedido durante pouco de dois anos do governo Lula.

Lula não tinha relação com Dimas e queria seu afastamento, mas ele foi mantido por José Dirceu, então chefe da Casa Civil, para contrariedade do presidente do PTB, Roberto Jefferson, que queria o cargo para um apadrinhado seu.

Está aí a origem do escândalo que ficou conhecido como mensalão, que, a rigor, nunca existiu, era peça retórica de Roberto Jefferson.

O que sempre houve foi o financiamento das campanhas políticas, sejam da situação ou da oposição.

Claro que financiamento político, em muitos casos, é eufemismo para propina, e alavanca para enriquecimento pessoal.

A lista se tornou pública em 2005, no auge da crise do mensalão, quando foi apresentada a políticos tucanos como forma pressioná-los a tirar o pé do acelerador na ofensiva contra o governo de Lula.

Havia, na ocasião, uma cópia autenticada, e começou aí uma narrativa para tentar desqualificar seu portador, o lobista Nílton Monteiro, apresentado como falsário.

Em maio do ano seguinte, a mentira começou a ser desmascarada, quando Nílton entregou ao delegado Praxíteles Fragoso Praxedes, da PF, a lista original, com a assinatura do autor, o diretor de Furnas.

Quem acompanhou a entrega da lista conta que o delegado ficou tão satisfeito com o documento que deu um beijo em uma das folhas de papel.

A lista foi entregue em um envelope pardo lacrado, onde se lia em um dos lados, Aécio Neves. Hoje Nílton conta a origem dessa lista original.

Por mais que, na investigação, ficasse claro que as listas que envolvem Serra e Aécio eram autênticas, a notícia não chegava a grande público.

O Estado de Minas, o maior jornal local, apresentava Nílton como grande falsário, e a Veja cuidava de divulgar a notícia em âmbito nacional, mesma depois que a perícia concluiu pela autenticidade do documento.

O lobista Nilton Monteiro, autor da denúncia da Lista de Furnas: prisão injusta

“Eu recebi das mãos de Dimas Fabiano Toledo quatro envelopes lacrados, para serem entregues a Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab e Aécio Neves”, afirmou. Ele diz não ter certeza quanto ao quarto nome.

Dimas queria que esses políticos se sentissem ameaçados e, por isso, se empenhassem pela sua permanência na diretoria de Furnas, mesmo com o escândalo do mensalão.

Nílton não chegou a entregar os envelopes, pois Dimas foi exonerado em agosto de 2005. “Eu devolvi os envelopes, mas fiquei com um, o que seria entregue a Aécio Neves”, disse.

Foi este o envelope que acabou nas mãos do delegado.

Dimas entregou mais a Nílton Monteiro. Ele fez uma declaração em que assume a autoria da Lista de Furnas e dá outros detalhes.

Diz que Serra recebeu valores de José Carlos Aleluia, deputado pelo PFL, e a campanha de Geraldo Alckmin teve recursos repassados por Danilo de Castro, político de Minas Gerais do esquema de Aécio Neves.

Dimas também reconhece a dívida de R$ 6 milhões, juntamente com o advogado Carlos Felipe Amodeo, que viria a falecer.

Por que Nílton Monteiro, um lobista, teria esse crédito? Na própria declaração, com firma reconhecida em cartório, Dimas afirma:

“Eu, Dimas Fabiano Toledo, e o advogado Carlos Felipe Amodeo, em conformidade com o nosso credor Nílton Antônio Monteiro, ajustamos a não divulgação da origem desta dívida, sob nenhuma hipótese, nem a violação de tal regra, ressalto o sigilo profissional em caráter de extrema exclusividade e confidencialidade.”

Nílton contou a origem dessa dívida ao delegado Roberto Bossi de Pinho, que investigou o esquema de poder e corrupção em Minas Gerais até que foi afastado, em 2018.

Ela se refere à dívida que os dois tinham com o então deputado Sérgio Naya, que era solteiro e viria a morrer bilionário.

A dívida seria em razão de investimento que ele realizou em empresa de mineração nos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, a partir de uma empresa constituída na Ilha de Man, que pertence ao Reino Unido.

Sergio Naya, que começou sua fortuna com negócios de ouro em Serra Pelada, foi também relator do orçamento da Câmara dos Deputados durante muitos anos.

Nílton era um faz-tudo de Naya e, depois, quando o edifício Palace II caiu, se tornou credor em negócios nebulosos.

Em sua delação, Marcos Valério prestou depoimento em que comenta a surpresa que a elite política e empresarial ficou quando Nílton surgiu na cena, com documentos bombásticos.

“Ninguém sabia como ele tinha tudo aquilo, mas o fato é que tinha, e aí eu participei de reuniões em que ficou decidido que era preciso acabar com o Nílton”, afirma.

Para isso, foi promovido um delegado da confiança do grupo, Márcio Simões Nabak, que viria a conduzir inquéritos que resultariam na prisão de Nílton, em datas que guardam sincronia com as campanhas eleitorais de interesse de Aécio Neves.

Ao mesmo tempo em que fazia as denúncias, Nílton sofreu um atentado. Desconhecidos incendiaram carro na garagem da casa dele, e seu cunhado, ao tentar apagar o incêndio, sofreu queimaduras graves.

É um caso nunca elucidado pela polícia.

Também não foi elucidado pela polícia — nem pela Ministério Público —o caso da retomada do esquema de corrupção conduzido por Marcos Valério no governo de Aécio Neves.

Depois que assumiu o governo do Estado, em 2003, Aécio retomou os contratos de publicidade com Marcos Valério, que tinham sido interrompidos por Itamar Franco.

As agências SMP&B e DNA faziam operações para gerar caixa 2, como cobrar do Estado por campanhas não realizadas ou muito acima do valor devido.

As agências também faziam empréstimos, para captar recursos destinados ao financiamento da atividade política.

“Mensalão é um nome genérico de um caixa que é feito para solucionar problemas políticos. Pode ser dívida de campanha, mas pode ser também usado para comprar juízes, promotores, delegados, jornalistas”, contou-me o delegado Bossi de Pinho, na última entrevista que deu, três meses e meio antes de falecer, de um câncer muito agressivo.

Rodrigo Bossi de Pinho, quando já lutava contra o câncer

Quando o PSDB acusou o governo do PT de montar um esquema do mensalão em Brasília, a CPMI dos Correios recebeu do Banco Rural documentos que confirmam a retomada do contrato de fachada com Marcos Valério.

Dois homens de confiança de Aécio assinam os contratos, Danilo de Castro, que era o secretário de Governo, e seu adjunto, Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio, aquele que, segundo ex-governador, “a gente pode matar antes que delate”.

Os documentos lastreavam operações de crédito das agências de publicidade junto ao banco — dinheiro que acabavam irrigando o sistema politico — e é por isso que foram encaminhadas à CPMI, em atendimento a requerimento aprovado.

Na CPMI, conforme contaria mais tarde seu presidente, Delcídio do Amaral, os documento foram criminosamente subtraídos, num acordo para blindar Aécio Neves.

Mas a mesma documentação foi encaminhada também para o então ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do caso do mensalão.

Em 2005, Joaquim Barbosa encaminhou cópia dos contratos para o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, para investigação.

Ocorre que o caso não andou, como era de se esperar, em razão do esquema de poder e corrupção no Estado.

Mas agora, depois que as estrelas tucanas se apagaram, os contratos estão saindo da gaveta, em consequência de uma iniciativa da Ouvidoria do Ministério Público, que encaminhou à corregedoria do órgão a denúncia de que, em 15 anos, os promotores nada fizeram para apurar de maneira minimamente decente a papelada encaminhada por Joaquim Barbosa.

Aécio Neves e José Serra sempre tiveram conexões no submundo financeiro da política, mas permaneciam distantes no mundo das coisas aparentes. Agora, na lama, se igualaram completamente, e hoje, depois de se acharem predestinados à presidência da república, a luta que travam é para não irem para a cadeia.