Agência Xeque: como a mídia usou o fakenews para beneficiar a máfia do lixo. Por Luis Nassif

Atualizado em 22 de maio de 2018 às 23:10

Publicado originalmente no jornal GGN

POR LUIS NASSIF

Texto do Estadão desmontado pela Agência Xeque. Foto: Reprodução/GGN

Fato 1 – o consórcio SOMA

SOMA (Soluções de Meio Ambiente) é um consórcio criado em 2011 para participar da licitação do lixo na cidade de São Paulo. Inicialmente, era integrado pelas empresas Delta Construções, Cavo Serviços e Saneamento e Corpus Saneamento e Obras. Em 2012 a Delta deixou o consórcio e a Cavo ampliou sua participação para 82%, deixando a Corpus com 18%.

A Cavo é controlada pela Estra Ambiental, do empresário Wilson Quintela Filho, citado nas delações premiadas da Lava Jato, empresário conhecido e com boas relações com alguns jornais.  A PF chegou a pedir a prisão de Quintela, mas a juíza não concedeu.

Ao lado dos transportes urbanos, o lixo costuma ser a parte mais barra-pesada dos serviços públicos.

Em março deste ano, com a Operação Descarte a Polícia Federal desvendou um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro com envolvimento da SOMA. Agentes da Polícia Federal e da Receita fizeram busca e apreensão na sede da empresa e o material recolhido está sob análise. A operação foi deflagrada a partir da delação do doleiro Alberto Yousseff.

Segundo informou o delegado Victor Hugo Rodrigues Alves Ferreira, desde que ganhou a licitação do lixo a SOMA já havia faturado R$ 1,1 bilhão do contrato com a prefeitura de São Paulo. Desse total, a Operação estimava que R$ 200 milhões foram lavados com o esquema. Foi considerada a maior operadora do sistema.

Fato 2 – as PPPs de Dória e Covas

No seu curto período à frente da prefeitura, João Dória Júnior tentou emplacar uma PPP (Parceria Público Privada) da iluminação e acabou se enrolando em suspeitas, ao vetar a empresa que ofereceu o menor preço.

Depois, se voltou para o lixo. O edital era claramente direcionado. Exigia experiência prévia de 36 meses. Essa exigência significaria que a empresa precisaria ter varrido 939,3 mil quilômetros de ruas para ser considerada apta a competir. Além disso, a licitação seria presencial, com a cidade dividida em apenas dois lotes.

A licitação foi barrada pelo Tribunal de Contas do Município, devido à baixa competitividade, a modelagem contratual e a insuficiente fiscalização da execução contratual pela administração, conforme afirmou o conselheiro João Antonio, em seu voto. O TCM propunha pregão eletrônico, com no mínimo cinco lotes a serem disputados. Afinal, são licitações de baixa complexidade, já que os insumos são apenas mão de obra e caminhões.

A Selur (Sindicato das Empresas de Limpeza) apelou e uma decisão liminar foi tomada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo suspendendo a licitação.

Na gestão Gilberto Kassab, dividiu-se a cidade em apenas dois lotes, para efeito de varrição. No governo Haddad, o Secretário de Obras Simão Pedro encomendou um estudo técnico para saber qual o modelo mais eficiente, dois lotes ou cinco lotes, como era antes. Constatou-se que, com dois lotes, os contratos ficaram 82% mais caros.

Em 2011, antes da licitação de Kassab, a varrição custou R$ 576 milhões.  Em 2012 saltou para R$ 730 milhões. Em 2017, custou R$ 1,1 bilhão ao município.

Os estudos do TCM constataram que “os valores pagos por kg de resíduo coletado dos contratos com dois lotes são notavelmente mais caros que os dos contratos com cinco lotes (decorrentes das licitações de 2005).

Doria saiu da prefeitura sem concretizar a licitação. Seu sucessor, Bruno Covas resolveu retomar. Antes disso, em setembro de 2017, como Secretário das Prefeituras Regionais, Covas assinou uma portaria relaxando a fiscalização dos serviços de varrição. Havia 71 agentes incumbidos de fiscalizar os serviços. Com a portaria, eles foram incumbidos de tratar outras centenas de infrações menores, como problemas de alvarás e desníveis de calçadas.

Fato 3 – o caso Chalita a tabelinha mídia-Ministério Público

Na estreia da Agência Xeque, mostramos como o Estadão e a Veja se valeram de fakenews para crucificar o ex-Secretário Gabriel Chalita. Um procurador do Ministério Público Estadual, Nadir de Campos Júnior, denunciou Chalita por supostamente ter recebido favores de fornecedores do estado. Veja usou até um photoshop para manipular foto de Chalita com o delator. O Estadão entrou atrás avalizando todas as denúncias. Ao todo, foram abertos 11 inquéritos contra Chalita e o então Procurador Geral da República Roberto Gurgel encaminhou a denúncia ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Passou em branco denúncia de um ex-diretor de Tecnologia da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) de que foi procurado por Walter Feldman, a mando de José Serra, oferecendo R$ 500 mil para que endossasse as acusações.

Todos os inquéritos foram arquivados. Tempos depois, o procurador foi denunciado criminalmente por falsificação de documento particular e uso de documento falso, visando fraudar as eleições para a Associação Paulista do Ministério Público.

Mas a carreira de Chalita já estava irremediavelmente comprometida.

Fato 4 – o fakenews do Estadão

Agora se repete o jogo.

O promotor Marcelo Milani abriu um inquérito para apurar acusação de que o presidente do TCM, João Antônio, principal opositor da licitação do lixo, teria pedido propina de R$ 30 milhões.

Segundo o Estadão,  “o inquérito tem como base um depoimento, dado por testemunha protegida. Seu termo de declarações afirma que representantes de empresas do setor “receberam funcionário do TCM cuja identidade desconhecem, pedindo para pagamento a quantia de R$ 30 milhões a ser em tese revertida em prol do relator João Antônio”, sem mais detalhes do pedido”.

Confiram:

Uma testemunha protegida (ou seja, anônima), diz que representantes de empresas do setor (não se sabe quem), receberam funcionário do TCM, “cuja identidade desconhecem”, pedindo a quantia para “em tese” ser revertida para João Antônio.

O promotor Marcelo Milano já havia sido denunciado pelo ex-prefeito Haddad por supostamente ter achacado, pedindo R$ 1 milhão para não entrar com ações judicial relacionado à Arena Corinthians.

Em junho do ano passado, Haddad informou à imprensa ter fornecido à Corregedoria do MPE elementos que permitiam apurar os fatos relacionados ao suposto achaque. Até hoje não se conhecem os resultados da investigação.

Fato 5 – os resultados do fakenews

O quebra-cabeças tem, portanto, os seguintes personagens:

  1. Uma empresa, a SOMA, envolvida em diversas denúncias de corrupção, enrolada com as delações da Lava Jato e com lavagem de dinheiro. Inclusive com varias dessas denúncias sendo publicadas no Estadão.
  2. Um ex-prefeito, João Dória Júnior, que impediu que a empresa que oferecesse o menor preço vencesse a licitação para iluminação pública.
  3. Seu sucessor, Bruno Covas, acusado de ter afrouxado a fiscalização sobre as empresas de lixo.
  4. Um procurador acusado de ter achacado uma empreiteira.
  5. Um político, João Antônio, presidente do TCM, egresso das comunidades eclesiais de base, que fez uma carreira política com diversos mandatos de vereador e deputado estadual, sem uma denúncia sequer.

Assim como no episódio Chalita, o Estadão acolheu a denúncia e publicou-a na primeira página. Com a denúncia plantada, a intenção dos autores é permitir uma nova prorrogação dos contratos de lixo. Em fins do ano passado foi feita a primeira prorrogação, por seis meses. Significou R$ 550 milhões para as duas empresas. Com mais 6 meses de prorrogação, elas conseguirão outro tanto.

Há um jabuti no alto da árvore majestosa do Estadão. Quem o colocou lá?