O caso da Abin já deveria ter provocado a queda do diretor Alexandre Ramagem, mas este foi salvo por um erro técnico na nota publicada pela coluna de Guilherme Amado, na revista Época.
A defesa de Flávio Bolsonaro recebeu, efetivamente, informações e orientações para obter junto ao Judiciário a nulidade do processo em que o senador é acusado de comandar uma organização criminosa para desviar recursos públicos e lavar dinheiro ilícito.
Ramagem foi salvo pelo fato de que o trabalho não foi produzido oficialmente pela Abin, como sugere a nota. Ou seja, a advogada de Flávio Bolsonaro não teria recebido relatório da agência, mas mensagens por WhatsApp de um servidor público lotado na Abin.
Isso não quer dizer que o caso não seja grave. Pelo contrário. A gravidade é maior.
O servidor que teria encaminhado as mensagens é Marcelo Araújo Bormevet, que é agente da Polícia Federal desde 2005.
A relação de Bormevet com a família Bolsonaro é anterior à eleição de 2018. Ele estava lotado na Polícia Federal em Juiz de Fora no episódio da facada, em 6 de setembro, e fez parte da equipe de segurança de Jair Bolsonaro.
Há, inclusive, uma foto de um agente que ampara Bolsonaro, com expressão serena, que parece ser ele. Entrei em contato com Marcelo, mas ele não retornou.
Marcelo Araújo Bormevet também é dono de uma loja em Juiz de Fora, a Mundo da Criança, em sociedade com Eveline de Paula Lino.
O agente é que teria indicado Alexandre Ramagem para Carlos Bolsonaro, depois da facada. Ramagem passou a chefiar a equipe de segurança de Bolsonaro até a posse, em 1º de janeiro.
Em junho de 2019, depois de ser sabatinado no Senado com apoio entusiasmado de Flávio Bolsonaro, Ramagem foi nomeado para a Abin.
Três meses depois, Marcelo Araújo Bormevet teve sua requisição efetivada para trabalhar na agência, no cargo de coordenador-geral de Credenciamento de Segurança e Análise de Segurança Corporativa, do Centro de Inteligência Nacional (CIN), com salário equivalente ao de delegados requisitados, o DAS-4.
A ida de Bormevet para a Abin parece se enquadrar no cenário descrito por Gustavo Bebianno no programa Roda Viva, no último mês de março.
“Um belo dia, o Carlos me aparece com um nome de um delegado federal e três agentes, que seria uma Abin paralela, porque ele não confiava na Abin. O general Heleno foi chamado, ficou preocupado com aquilo, mas o general Heleno não é de confronto, e o assunto acabou ali com o general Santos Cruz e comigo, nós aconselhamos ao presidente que não fizesse aquilo de maneira alguma, porque, muito pior que o gabinete do ódio, aquilo seria também motivo para impeachment”, contou.
Santos Cruz foi ministro da Secretaria Geral do Governo de 1º de janeiro a 13 de junho de 2019.
Alguns dias depois de Santos Cruz ser demitido, Ramagem teve seu nome indicado por Bolsonaro para a direção-geral da Abin.
Em 26 de junho, por 64 votos a 3, o Senado aprovou o nome de Ramagem.
Na mesma entrevista ao Roda Viva, Bebianno diz que, com sua saída, não sabe se a Abin paralela foi instalada ou não.
Possivelmente, soubesse, mas não quis dizer.
Um jornalista perguntou objetivamente se o nome do delegado proposto por Carlos Bolsonaro para chefiar a Abin paralela era Alexandre Ramagem.
Ele disse que preferia não responder.
Era.
Porque, se não fosse, diria simplesmente:”Não”.
O que parece ocorrer hoje na Abin é que Ramagem chefia a entidade oficialmente, mas a Abin tem atividade oficial e atividade paralela, e é difícil crer que sem o conhecimento do delegado da PF.
Nesta segunda-feira, a ministra Cármen Lúcia, do STF, determinou que o general Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional e que tem a Abin no seu organograma, e Ramagem prestem informações em 24 horas sobre a suposta ajuda da Abin à defesa de Flávio Bolsonaro.
Possivelmente, os dois responderão que não houve. E, pelos canais oficiais, não houve ajuda mesmo.
Foi a Abin paralela, que tem semente no episódio da facada em Juiz de Fora, que fez o serviço. Atividade paralela plantada por Carlos Bolsonaro.