Publicado originalmente no Esquerda Online
POR ANDERSON BUSSINGER CARVALHO, advogado e conselheiro da OAB-RJ
A luta pela anistia política no Brasil, lamentavelmente, não foi concluída, restando milhares de perseguidos e perseguidas a serem anistiados, nos termos da Constituição Federal. Soma-se a isto a vergonhosa impunidade dos militares e civis que se prestaram a desrespeitar direitos humanos e fundamentais durante a ditadura empresarial-militar, mandantes e prepostos, comandantes e soldados.
Neste contexto, hoje também é sabido por todos e todas que a situação da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça é péssima (apesar do honroso comportamento de valorosíssimos conselheiros que ainda resistem). Não foge à regra das demais áreas de atuação do Ministério da Justiça que têm como objeto a implementação de direitos humanos, haja vista as constantes reclamações dos mais variados setores, entidades, com ênfase para a situação indígena no Brasil, onde prossegue e acentua-se o vergonhoso genocídio destes povos, ante a omissão do governo federal. Bem como a perseguição e mortes de defensores de direitos humanos, principalmente no campo, onde diversos líderes rurais foram assassinados nos últimos dois anos, além dos crimes contra a comunidade LGBT, negros e negras e demais setores que levam a este Ministério suas reivindicações e denúncias.
Com relação a implementação prática do direito constitucional de Anistia Política, a atual situação, portanto, não é diferente. A quantidade de julgamentos diminuiu drasticamente desde que assumiu o novo governo, com uma nova diretriz e gestão no âmbito do tratamento desta importante questão. E qual é esta diretriz? Qual a gestão que se pratica atualmente?
No cotidiano sombrio em que o golpe parlamentar-judicial nos lançou (com inclusive 23 novos condenados políticos no Rio de Janeiro) a diretriz que hoje impera e se impõe é exatamente postergar a implementação do direito de anistia no Brasil, preconizado no Artigo 8 (ADCT) da Constituição Federal. Nesse sentido, a Comissão deixa até de publicar as Portarias relativas aos julgamentos já ocorridos. Existem centenas de casos de anistiados, devidamente julgados e deferidos pela Comissão de Anistia, os quais inexplicavelmente o Exmo. ministro da Justiça se recusa a assinar as respectivas Portarias contendo a ordem de pagamento ao Ministério do Planejamento, na forma da Lei 10. 559/02, mesmo já tendo exaurido o devido processo de apreciação e deliberação no âmbito da Comissão.
Anulando processos já deferidos
Como se não bastassem tais irregularidades e abusos, dezenas de processos que haviam sido deferidos em 2016, pela Comissão de Anistia, em histórica sessão ocorrida na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, foram simplesmente indeferidos, pasmem, após o então ministro da Justiça, Dr. Alexandre Cardoso de Moraes, hoje ministro do STF, haver, em nome do Estado brasileiro, pedido desculpas aos anistiados e familiares pelos crimes da ditadura.
Saliente-se que tudo isto foi feito, a partir de parecer da AGU, que sequer foi publicizado aos anistiados e seus advogados. A própria Comissão de Anistia, responsável pelo julgamento, somente teve conhecimento posteriormente de tal parecer, que hoje se encontra questionado perante a própria AGU e Ministério da Justiça.
Absurdo – Um coronel no comando da anistia
No mês de agosto registra-se o aniversário da Anistia Política no Brasil, lembrando a histórica Lei 6.683, editada em 28 de agosto de 1979, fruto de vigorosa campanha pela Anistia. Para marcar, infelizmente, de forma triste, esta data, o cargo de Secretário Executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública no Brasil, (que tem como uma das funções tratar dos processos referentes à Comissão de Anistia política, mormente suas Portarias de concessão) é ocupado por um Oficial do Exército, Coronel do Exército brasileiro, que, convenhamos, mesmo não havendo notícias (até agora) de que tenha participado da repressão do sepulto regime militar, não se trata, contudo, da pessoa adequada para comandar a área de anistia política, porquanto é sabido que substancial parcela de agressores, violadores dos direitos humanos durante a ditadura, atuantes diretamente na repressão e perseguição política, é oriunda do Exército Brasileiro, como também da Marinha de Guerra, Aeronáutica, e também as forças de segurança, DOPS e outras estruturas.
Não podemos admitir este fato! Não temos nada de pessoal contra a pessoa do oficial do Exército em questão, hoje transferido para a reserva e à disposição do Ministério da Justiça mas, institucionalmente, a luz dos princípios democráticos, o Estado brasileiro manter exatamente em cargo de direção dos trabalhos da Comissão de Anistia política um oficial do Exército é, antes de tudo, um desrespeito aos mortos e desaparecidos pela ditadura imposta ao país em 1964.
Os militares já possuem voz na Comissão de Anistia, sim, através de Conselheiro por estes indicados, mas imaginar que o atual Governo chegaria ao absurdo de inserir no comando dos procedimentos de Anistia regulados pela Lei 10.559/02 um militar do Exército é um afronta, em primeiro lugar aos anistiandos que aguardam seus julgamentos, bem como a toda sociedade e ao próprio direito universal e constitucional de Anistia Política, pois, além da circunstância do protagonismo e envolvimento de militares do Exército na repressão imposta ao país após o golpe militar de 1964, é público e notório que esta Força Militar até hoje não teve seus integrantes envolvidos em crimes neste período devidamente processados, punidos e expulsos da corporação, suas patentes arrancadas, (como ademais se deve fazer legalmente com militares criminosos!) a partir da comprovação de participação de cada um em atos de terrorismo de Estado, tortura, sequestro de militantes e assassinatos, através do devido processo legal.
Encerro propondo, como advogado e conselheiro da OAB-RJ, que as entidades de Anistia, anistiados e todos que se prosseguem na luta pela ampla, geral e irrestrita no Brasil, preparemos uma petição exigindo a imediata exoneração do referido oficial do Exército do cargo de Secretário-Executivo do Ministério da Justiça, por sua completa inadequação ao cargo, bem como incompatibilidade e ausência de isenção em relação ao tema da anistia política, objeto dos trabalhos da respeitável Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, nos ordenamento jurídico vigente, assim como exigir sejam publicadas todas as Portarias de Anistiados que se encontram injustificadamente retidas no âmbito do Ministério da Justiça. Que cumpra-se integralmente a lei 10. 559/02! Que se aplique, com isenção, o direito constitucional de anistia no Brasil.