Mensagens encontradas pela Polícia Federal (PF) no telefone celular do senador bolsonarista Marcos do Val (Podemos-ES) revelam o jogo duplo feito pelo parlamentar na cúpula dos poderes da República em torno de uma suposta trama golpista para anular as eleições presidenciais de 2022.
Ao mesmo tempo que falava com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e com o ex-deputado Daniel Silveira para tratar do plano, ele também mantinha o próprio ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) a par de cada passo que dava. O plano previa flagrar eventuais inconfidências do ministro sobre o processo eleitoral e abrir caminho para uma intervenção militar no país.
A partir de 6 de dezembro de 2022, Daniel Silveira procurou do Val dizendo que queria tratar, pessoalmente, sobre um plano que tinha “potencial para mudar os rumos da história do país”. “Você tem nas mãos uma oportunidade única”, escreveu Silveira ao senador. Após o encontro, Silveira deixou claro a importância da missão: “Irmão, essa missão está restrita a três pessoas e só irá ficar, provavelmente, com mais cinco após concluída. Cinco estrelas”, afirmou.
No dia seguinte, do Val mandou mensagem a Moraes: “Boa tarde ministro! Ontem o Daniel Silveira me procurou. Me passou uma situação contra a democracia extremamente preocupante. Mas o melhor é te repassar pessoalmente. Fico em Brasília até sexta-feira. O Bolsonaro que pediu para ele me procurar”, escreveu o senador.
Moraes, por sua vez, respondeu: “Se quiser passar aqui no Salão Branco (do STF) no intervalo da sessão hoje às 16h30 podemos conversar”. No outro dia, o senador relatou ao ministro que Silveira havia ido ao encontro dele, nas proximidades do Congresso Nacional, e telefonado para Bolsonaro. Na ligação, o ex-capitão teria pedido para falar com o senador.
“Bom dia, ministro. Ontem à noite estava no plenário (do Senado) e o Daniel Silveira foi até a mim e lá fora ligou para o Bolsonaro. Bolsonaro pediu para falar comigo e me perguntou se poderia encontrar com ele hoje no fim da tarde. O objetivo é mesmo derrubar o presidente Lula. Quando sair da reunião, faço contato”, escreveu do Val.
Ao mesmo tempo, as tratativas de Marcos do Val com Daniel Silveira prosseguem. Ambos combinam de se encontrar para, então, seguirem juntos até Bolsonaro. O ponto de encontro é um estacionamento entre o Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, e o Palácio da Alvorada.
Depois do encontro com Bolsonaro, Silveira envia mensagens ao senador dando mais detalhes do plano. “Como tivemos pouco tempo, não passei o que entendo como diretriz para que você adapte à sua maneira. Contudo, já tenho escutas usadas pelas operações especiais. Tenho veículo receptor que pode imediatamente reproduzir além da gravação e essa operação ficar restrita a um círculo de 5 pessoas. Três estavam sentadas hoje conversando juntos”, diz o ex-deputado.
Em seguida, Silveira faz um pedido adicional a do Val: “Insisto em dizer que é uma oportunidade ímpar e peço não comente com absolutamente ninguém. Mesmo com esposa e qualquer familiar ou conselheiro. Essa é uma ação que somente você e seu consciente devem analisar”, disse.
No mesmo dia, do Val informou Moraes sobre as novas informações. “Saí agora da reunião… Amanhã às 18:00 estarei retornando para o estado e volto para Brasília na próxima terça-feira”, escreve o senador, via WhatsApp.
No dia 9 de dezembro, no mesmo dia em que o senador mandou mensagens ao ex-mandatário, ele também escreveu novamente a Moraes. Ele disse ao ministro que o plano incluía não só afastá-lo das funções no STF, mas também prendê-lo. O senador também tenta tirar o peso do papel de Bolsonaro no plano e joga a maior parte da responsabilidade em Silveira.
“Boa noite, ministro! Desculpa incomodá-lo no seu horário de descanso. Acabei de pousar no meu estado, só retorno para Brasília na próxima terça-feira. Mas preciso adiantar uma parte do encontro que considero de alto grau de importância. Quem está fazendo toda movimentação com objetivo de levá-lo à perda da função de ministro e até ser preso, é o DS (Daniel Silveira). O PR (presidente da República) não está fazendo nenhum movimento neste sentido”, escreveu do Val.
Três dias depois, do Val volta a escrever a Moraes e diz que gostaria de vê-lo para falar do encontro com Bolsonaro e Daniel Silveira. O senador destacou que os dois haviam lhe pedido “uma ação esdrúxula, imoral e até criminal”. O ministro se dispõe a recebê-lo.
No mesmo dia, logo cedo, Silveira chama Marcos do Val. Por mensagem, avisa que estava a caminho de Brasília e que gostaria de encontrá-lo para “fechar aquela conversa”. Era para, supostamente, acertar a execução do plano de gravar Moraes. O senador, no entanto, responde no fim do dia. Um dia depois, do Val diz a Silveira que não toparia a empreitada. “Irmão, vou declinar da missão.” Silveira responde: “Entendo… obrigado”.
Dias depois, o senador revelou a revista Veja a suposta trama golpista. O parlamentar, entretanto, apresentou diversas versões a respeito do encontro. Diante disso, Moraes afirmou que era preciso investigar os crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação no curso do processo. No mês passado, ele foi alvo de um mandado de busca e apreensão, teve um celular apreendido e a conta no Twitter bloqueada.
O relatório da PF que analisa as mensagens termina levantando uma hipótese de que, com sua atuação de “caráter ambíguo”, do Val “parecia valer-se de prints de conversas com as mais altas autoridades da República para, colocando-as umas contra as outras, angariar prestígio pessoal e político”.