Algum morto pode abalar Bolsonaro? Por Moisés Mendes

Atualizado em 19 de março de 2021 às 21:13

Publicado originalmente no blog do autor

Por Moisés Mendes

O senador Major Olímpio

A porção emotiva do Brasil convive com uma dúvida aparentemente sem fundamento: chegará o dia em que Bolsonaro irá se emocionar ou se abalar com a morte de alguém pela Covid-19?

Não um lamento protocolar, como poderia ter feito, e nem isso fez, em homenagem ao Major Olímpio. Bolsonaro ignorou Olímpio na live feita logo depois de saber que o ex-amigo estava morto. Foi num silêncio ofensivo.

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Só alguém muito crédulo pode esperar de Bolsonaro um lamento genuíno, um sentimento verdadeiro de quem também sofre a perda de um parente, amigo, conhecido, colega.

Bolsonaro está cercado de gente infectada. Ele foi um dos primeiros. Reúne-se todos os dias com ministros e assessores de todos os escalões que já passaram pelo medo de morrer por não terem o histórico de atleta.

Só no Palácio do Planalto, são mais de 450 casos de infectados. Dos assessores mais próximos de Bolsonaro, incluindo ministros, são mais de 40 pessoas. O vírus circula em ares promíscuos. Por causa do medo imposto por Bolsonaro, usar máscara no Planalto é um acinte.

Essa semana morreu o 2º sargento do Exército Silvio Kammers, supervisor da ajudância de ordens do gabinete de Bolsonaro. O palácio escondeu a morte do sargento.

Um presidente normal faria uma declaração dizendo que lamentava a morte de alguém próximo, porque os ajudantes de ordens são pessoas do cotidiano de um governante.

Se tivesse dito que lamentava a morte do militar, Bolsonaro passaria empatia e se aproximaria do sofrimento das famílias que já perderam alguém para a pandemia. Mas o Planalto determinou que escondessem a morte do sargento, como faziam na ditadura.

Bolsonaro ainda não experimentou a sensação da perda de alguém muito próximo, e aí pode estar a diferença, ou não.

Já morreram muitos políticos que conviveram com ele. Morreu o general Antonio Miotto, ex-comandante militar do Sul.

Miotto era um aglutinador com grande capacidade de gestão e liderança. Bolsonaro não disse nada de específico sobre as virtudes do general quando se referiu a ele. Disse que pode ter morrido por não ter feito o tratamento precoce com cloroquina.

No dia do enterro de um comandante, um tenente comete a grosseria de dizer publicamente que o general não soube se cuidar.

Talvez falte o teste da perda de alguém do seu núcleo duro ou dos seus afetos, para que o sujeito sinta o que milhões de pessoas já sentiram.

As famílias brasileiras ainda não ouviram de Bolsonaro uma
manifestação de pesar pela tragédia que ele ajuda a provocar ao combater as ações dos governadores e sabotar a máscara, a vacina, a ciência.

Ainda não aconteceu uma morte que mexesse com Bolsonaro, se é que poderá mexer. Falta uma morte que o abale. Até agora, as quase 300 mil mortes de brasileiros passaram ao longe, como se tivessem acontecido na Ucrânia.

Essa é a dúvida que talvez não tenha qualquer fundamento. O que Bolsonaro sentirá quando alguém muito próximo morrer de Covid-19? É provável que diga, como já disse, que um dia todos morrerão.

Major Olímpio foi muito chegado a Bolsonaro, até virar inimigo da família toda. Que ressentimentos o silenciaram diante da morte do major?

Nesta quinta, o sujeito iria ao Senado para participar do ato simbólico de entrega de MPs ao Congresso. Quando soube da morte de Olímpio, desistiu.

Um presidente normal faria o contrário. Avisaria que nenhum outro compromisso o impediria de ir ao encontro dos colegas do senador morto, para que assim homenageassem juntos sua memória.

Bolsonaro fugiu de um confronto. Não quis que o olhassem na cara logo depois da notícia da morte de um desafeto que foi seu aliado por muitos anos e deveria saber muito dos podres da família.

O Planalto escondeu a morte do sargento, e Bolsonaro escondeu-se da morte do major. Falta o morto que ofereça a chance de humanizar Bolsonaro, mesmo que a humanização seja improvável.