A entrevista do Barack Obama a Pedro Bial teve um único objetivo: vender livro. Ele acaba de lançar mundialmente “Uma Terra Prometida”, que no Brasil recebeu o selo da Companhia das Letras.
Então, quem quiser desembolsar quase R$ 80,00 para adquirir um exemplar impresso deve saber que encontrará na obra um ataque ao ex-presidente Lula, que em 2009 ele chamou de “o cara”, “o político mais popular da Terra”.
E era mesmo.
Obama disputava com Lula a eleição da cidade para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Ele queria levar a competição para Chicago, cidade que faz parte da sua base eleitoral, o Estado de Illinois, pelo qual havia sido eleito senador antes de se tornar presidente dos Estados Unidos.
Durante encontro do G20, o habilidoso Obama se aproximou de Lula e fez o elogio. Como se vê pelas imagens, Lula não se deixou seduzir.
Mais tarde, durante as caravanas que fez pelo país, Lula contou que Obama tomou a derrota em Copenhague, seis meses depois do elogio, como uma derrota pessoal.
“Acho que o Obama ganharia o Prêmio Nobel da Paz depois como compensação pela derrota na eleição da cidade para os Jogos Olímpicos”, disse.
No livro que está vendendo, Obama apresenta Lula de maneira diferente. Ao mesmo tempo em que o elogia pelos avanços do Brasil durante seu governo, descreve o ex-presidente como um líder mafioso.
Bial leu o trecho do livro em que Lula é apresentado.
“Ex-líder sindical grisalho e cativante, com uma passagem pela prisão por protestar contra o governo militar e eleito em 2002, tinha iniciado uma série de reformas pragmáticas que fez as taxas de crescimento do Brasil dispararem, ampliando sua classe média e assegurando moradia e educação para milhões de cidadãos mais pobres”, leu.
“Constava também que ele tinha os escrúpulos de um chefão de Tammany Hall e circulavam boatos de clientelismo governamental, negócios por baixo do pano e propinas na casa dos bilhões”, continuou.
Tammany Hall, como lembrou o apresentador, era como ficou conhecida a organização política ligada à máfia que explorava Nova York, comparável hoje às milícias no Rio de Janeiro.
Sem disfarçar um certo regozijo, Bial diz que Tammany Hall virou sinônimo de corrupção e banditismo político.
Ele então pergunta se Obama hoje ainda chamaria Lula de “o cara”.
Obama não responde, e volta a fazer uma descrição de Lula como um politico ambíguo. Para quem conhece a retórica dos políticos, não há forma de fazer um ataque mais devastador.
Argumentos usados dessa forma desconstroem o adversário ao mesmo tempo em que o emissário passa a impressão de que está sendo racional.
Ao analisar a comparação que ele faz de Lula com políticos do Tammany Hall, é inegável o paralelo com o power point de Deltan Dallagnol.
Ele bebe dessa fonte infame e não é uma mera coincidência. A Lava Jato ajudou Obama a apresentar um dos trunfos de sua administração, o acordo que obrigou a Odebrecht e a Petrobras, duas das maiores empresas brasileiras, a indenizar os Estados Unidos.
“Obama queria concluir o acordo rapidamente, pois tinha Hillary como candidata à sua sucessão e queria apresentar o acordo com o maior já feito em território americano com uma empresa estrangeira”, disse o advogado Rodrigo Tacla Durán, ex-prestador de serviços da Odebrecht, numa das entrevistas que fiz com ele na Espanha, onde passou a morar depois de colaborar com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Pouco antes, sob seu governo, a NSA (agência de segurança nacional dos Estados Unidos) já tinha sido apresentada como o órgão que, entre 2009 e 2012, bisbilhotou comunicações em território brasileiro como em nenhum outro país.
No filme de Oliver Stone sobre Edward Snoden, “Herói ou Traidor”, é apresentado o balanço das interceptações. O Brasil foi muito mais monitorado do que China ou Rússia, por exemplo.
O filme mostra o logo da Petrobras, sugerindo que o petróleo estaria por trás desse interesse da administração de Obama pelo Brasil.
Mas talvez não seja apenas o petróleo. Com economia ascendente — a 6a. — e uma aliança com os países do Brics, o Brasil transformava o continente, tirando dos Estados Unidos o território como seu quintal.
Na época, aliás, a Economist, revista que é a bíblia dos liberais, destacou o efeito do crescimento do Brasil como um contraponto à hegemonia dos Estados Unidos na América Latina.
Ao mesmo tempo, Obama tem como fonte sobre o Brasil Roberto Mangabeira Unger, que foi seu professor em Harvard e com quem conservou lanços de amizade.
Mangabeira Unger, como se sabe, foi guru de Ciro Gomes, político que serviu a Lula, apoiou Aécio Neves, defendeu Dilma Rousseff do movimento golpista e depois passou a atacar as lideranças petistas.
Antes de ver Obama com simpatia — e ele é uma personalidade cativante, para usar o adjetivo com que ele descreve Lula —, é preciso ter em mente fatos históricos.
O governo Lula e também o de Dilma foram o maior obstáculo à eterna luta dos Estados Unidos por controlar os destinos além de suas fronteiras.
Ok, Obama é um cara legal. Mas não podemos esquecer nunca de que ele é adversário do Brasil e, nesse sentido, ele sempre será coerente.
Até onde puder, descontrairá Lula ou outro líder que represente as mesmas forças, as de um desenvolvimento nacional brasileiro.
Fará isso não porque odeie o Brasil, mas porque, acima de tudo, ele ama seu país.
Nós brasileiros precisamos aprender esta lição.