Publicado no blog de Valter Pomar
Alípio Raimundo Viana Freire partiu nesta manhã de 22 de abril de 2021, depois de semanas lutando contra o Covid.
Conhecido como Alípio Freire, nascido num 4 de novembro do ano de 1945. Baiano e soteropolitano, desde 1961 morava em São Paulo.
Em 1967, milita na Ala Vermelha, organização dissidente do Partido Comunista do Brasil. Preso em 31 de agosto de 1969, foi torturado e passou 5 anos encarcerado.
Artista plástico, foi curador de várias exposições de obras de presos políticos. Jornalista, trabalhou em diferentes órgãos da grande imprensa. Escreveu, organizou, editou e contribuiu com inúmeras iniciativas editoriais, documentários e filmes.
Militante, integrou a primeira direção estadual do Partido dos Trabalhadores no estado de São Paulo. Entre inúmeras outras tarefas partidárias e nos movimentos sociais, foi editor da revista Teoria e Debate entre 1993 e 1995. Trabalhou na prefeitura de Diadema (SP) e de Campinas (SP).
Envelheceu, mas suas ideias seguiram jovens: um defensor do comunismo, da revolução e da alegria. Tudo isto misturado com uma gentileza quase vintage e uma acidez inesquecível.
Para quem quiser ouvir e ver:
Para quem quiser ler um de seus poemas
31 de março de 1992
Alípio Freire
O velho anota
no metrô
seu poema
velho
da vitória
do que houve
de mais velho
quando era
demais jovem.
Ninguém
além do velho
se interessa
por seu poema
antiquado
Sem rima
e sem metro.
O velho do metrô
usa óculos e bigodes
e nos pés
um par de tênis
surrados
Sem laço
e sem cadarço.
Com a memória em 64
os pés em 22
a cabeça em 68
e o coração sem tempo
o velho anota
seu poema
Datado.
Mulheres de todas as idades
entram e saem do metrô
do mesmo modo como o fizeram
na vida do velho.
Pernas verdes, amarelas, azuis e brancas.
Pernas vermelhas
– Para que tanta perna, meu deus?! –,
considera o velho.
Mas as pernas passam
as mulheres passam
os amores passam
a vida passa.
Tudo na vida passa.
E envelhece.
Rejuvenescido pela poesia que passa
o velho sorri um sorriso ateu
ciente de que o metrô
não é O Trem d’A História
e de que deus não existe.
Assim, desembarca no Paraíso.
O velho sorri solitário
e despojado de expectativas
No metrô
Na gare
Na vida.
O velho deixa a estação
mergulha na chuva fina da noite
declina qualquer autoenternecimento ou comiseração pública
faz xixi na árvore da esquina
e prossegue em direção ao vazio
assobiando uma velha melodia
Por que não?