Então me vi sozinho em casa tendo alucinações de dar inveja às viagens lisérgicas dos anos 1970. Via manchas circulando pelas paredes. Ao mesmo tempo, uma série de sensações antagônicas: fome e ânsia de vômito, prostração e ansiedade. E dor de cabeça constante.
Com maior ou menor intensidade, essas reações ocorreram durante quatro dias.
Mais tarde, o coordenador da irmandade me diria que quatro dias nem é muito. As síndromes de abstinência costumam durar até dez dias e não são poucos os que desistem no meio do caminho. Eu mesmo já havia tentado uma vez e desistido, incapaz de resistir ao mal-estar geral.
Não, o meu caso não é o vício por heroína, crack ou, para ser mais engajado, metanfetamina. Sou fumante, viciado em nicotina, prática que vem sendo cada vez mais excluída da sociedade, embora seja uma droga legal e socialmente aceita. E a irmandade acima citada é a do fumantes anônimos, cujo nome verdadeiro é Nicotina Anônimos, criado à semelhança dos alcoólatras anônimos, o AA.
Na verdade, o método utilizado no AA é aplicado em vários tipos de dependência. Há os narcóticos anônimos, os neuróticos, os comedores compulsivos, os jogadores e até as mulheres que amam demais. Todos anônimos. Nada mais natural então haver um grupo específico para fumantes.
Quem entra na irmandade, e segue fielmente os procedimentos, larga o vício. O problema é seguir os procedimentos. É preciso frequentar assiduamente as reuniões, no mínimo duas vezes por semana, e seguir os “12 passos” — uma sucessão de objetivos que conduzem à “libertação” do vício.
O Nicotina Anônimos é gratuito e o grupo é gerido pelos próprios participantes, a maioria deles com histórias de sucesso. Há ex-fumantes que estão sem fumar há décadas e ainda participam do grupo, por pura gratidão. São esses veteranos que dão conselhos preciosos para os que querem parar de fumar, que conduzem as reuniões e que recolhem as contribuições voluntárias para manutenção do grupo — pagar o aluguel, comprar água e café.
As reuniões são ocupadas, na maior parte, por depoimentos dos participantes, chamados de “partilhas”, nas quais pode-se falar sobre qualquer assunto, e não necessariamente sobre cigarros. E há uma literatura de apoio, com depoimentos e esclarecimentos sobre algumas questões relativas ao vício.
Dessa forma, logo de cara o cidadão é bombardeado por algumas verdades muito convincentes, que não se limitam a esclarecer os malefícios da nicotina à saúde. Duas delas foram essenciais para a minha “libertação”. A primeira é que fumar o próximo cigarro não trará nunca satisfação.
Apenas vai estimular mais um cigarro — e essa é a dinâmica de todos os vícios. A segunda é que não há, de fato, nenhum prazer em fumar. Por mais que os fumantes falem que adoram fumar, principalmente em momentos especiais, como depois das refeições, o único prazer gerado pelo cigarro é atender ao vício, ao impulso de fumar. O resto é balela — ou, em outras palavras, pretextos de fumantes.
Também foi importante aprender duas lições. A primeira delas é assumir integralmente que sou um viciado incondicional. Ou, nas palavras da irmandade, tenho uma “doença incurável, progressiva e fatal”. Ou seja, ainda que não esteja fumando, serei sempre um fumante.
A segunda é que não estou fumando “só por hoje” — uma expressão que garante o sucesso do esforço porque não cria expectativas e compromissos e, ao mesmo tempo, consolida o seu esforço momentâneo.
Fumante há 42 anos, consumindo cerca de dois maços por dia, bastaram 40 dias frequentando o Nicotina Anônimos para parar de fumar. Logo de cara, diminui consideravelmente a quantidade de cigarros diários. E durante duas semanas mantive uma média de 4 cigarros por dia. Até que o coordenador do grupo me deu um toque: “Para logo com essa bagaça”. E daí parei.
É bom informar que também usei medicação indicada pelo meu cardiologista — bupropiona e fluoxetina — e pelo meu homeopata, além de auriculoterapia (agulhas na orelha), chicletes e pastilhas de nicotina. Mas, passado dois meses de abstinência, já não sinto vontade de fumar e nem tenho mais alucinações com as manchas das paredes. Só por hoje.