Vitória e Alberto.
Nelson e Ema.
Escrevi recentemente sobre algumas das mais belas histórias de amor da Inglaterra. Relatos de devoção, lealdade, fidelidade. A Rainha Vitória feneceu quando seu marido, o príncipe alemão Alberto, morreu. A criadagem tinha ordens de preparar as roupas de Alberto toda manhã, como se ele estivesse vivo. A água do quarto também tinha que ser trocada. Esse ritual muito amoroso e ligeiramente macabro durou os cerca de 40 anos que Vitória sobreviveu a Alberto.
Nelson, o grande almirante, agonizava na batalha de Trafalgar em seu navio Victoria depois de levar um tiro de mosquete e pedia que seu país tomasse conta de Ema, a belíssima mulher que o fez enfim ver que a vida era mais que mares e canhões. É uma injustiça histórica que o pedido de Nelson, um dos maiores heróis ingleses, tenha sido simplesmente desprezado. Sua musa morreu na ruína, totalmente descuidada.
Mas me vejo com vontade de fazer o contraponto e contar o que é talvez a mais bizarra história de amor, ou desamor, da Inglaterra.
Henrique e Ana de Cleves. Ele, o Tudor que você provavelmente conhece bem do seriado. O homem que fez a Inglaterra ser o que seria depois – uma potência agressiva, inovadora, dominadora. Ela uma princesa alemã.
Henrique achava interessante uma aliança com os germânicos. Thomas Cromwell, então o administrador mais poderoso da corte de Henrique, sugeriu Ana. Henrique jamais a tinha visto, e então um pintor, Hans Holbein, foi mandado para fora para retratá-la. (O retrato mais conhecido de Henrique, copiado posteriormente por múltiplos artistas, é o de Holbein.)
Henrique gostou da pintura. O problema foi quando viu Ana ao vivo.
Achou-a gorda, alta e sem graça. Além do mais, ela só falava alemão, que ele ignorava.
Cromwell ficou preocupado. Poderia cair em desgraça se as coisas não dessem certo entre o casal.
Anular o contrato? Henrique achou que já era tarde mais. “Neste estágio, só me resta colocar a cabeça no garrote”, comentou.
Colocou.
No dia seguinte ao casamento, Cromwell perguntou se a impressão do rei tinha melhorado. “Detesto mais que antes”, respondeu Henrique. “De perto ela é ainda pior.”
O divórcio veio logo. Ana, que Hume em sua História da Inglaterra descreve como uma mulher sem “nenhum orgulho”, não criou dificuldade nenhuma. Ganhou propriedades, dinheiro, e deixou a porta aberta para um novo casamento do noivo desapontado.
Cromwell não teve tanta sorte.
Não apenas pelo trabalho desastrado de cupido, mas em parte por isso, saiu do cume em que estava para a morte por “alta traição”. Não traíra ninguém, mas isso era um detalhe na Inglaterra naqueles dias em que o rei manipulava a justiça, a igreja e o Parlamento. Cromwell não disse no julgamento nada de ruim sobre Henrique porque temia consequências para sua família. (Nos célebres julgamentos soviéticos da década de 1930 em que Stálin exterminou líderes bolcheviques em massa, também ninguém recriminava o tirano por medo do que ele faria com a família. A humanidade muda sem mudar.)
Bem, aquela é a história de Ana e Henrique, um dos piores casais da longa, rica, fascinante história da Inglaterra.