Publicado originalmente na Rede Brasil Atual
O trabalho de análise e identificação das ossadas de Perus não foi interrompido, mas sua continuação está ameaçada, já que o contrato vai apenas até 31 de julho e depende de renovação, o que passa pelo governo federal. Aí reside o principal problema, pois o atual chefe do Executivo é um defensor da ditadura.
“O trabalho de identificação das ossadas produz as provas materiais de que a narrativa deste governo é falsa”, diz Edson Teles, professor de Filosofia Política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e responsável pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf) da instituição.
Um decreto do presidente da República desativou diversos conselhos sociais, mas a avaliação dos responsáveis pelo Grupo de Trabalho Perus, formado em 2014, é que o GTP mantém-se ativo, já que o contrato em vigência é resultado de um acordo firmado na Justiça Federal. “Por ser um acordo judicial, a gente entende que o GT está preservado”, afirma Teles.
A criação desse grupo envolveu as secretarias nacional e municipal (em São Paulo) de Direitos Humanos, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a própria Unifesp, uma parceria que possibilitou a formação do Caaf. “O pessoal está trabalhando. A nossa preocupação é com a renovação desse contrato”, observa o professor.
Segundo ele, de 1.047 caixas com ossadas encontradas em 1990 em vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona noroeste da capital paulista, falta analisar pouco mais de 80, a fim de concluir a primeira etapa do processo. Até agora, o trabalho permitiu identificar os restos mortais de dois desaparecidos políticos: Dimas Antônio Casemiro e Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, ambos assassinados em 1971. Mais dois lotes com 100 amostras cada serão enviados ao laboratório, em maio e em julho.
Atualmente, quatro peritos contratados trabalham na análise das ossadas em São Paulo, além de um perito fixo cedido pela Unifesp. Nesta segunda-feira (22), o governo estadual enviou mais dois funcionários. Já chegaram a ser 10 profissionais na ativa. Eventualmente, a tarefa conta com a colaboração do que o professor chama de peritos rotativos. O acordo judicial é o “trunfo” para garantir a manutenção dos trabalhos em um cenário desfavorável, como observa Teles: “Faz parte da narrativa desse governo negar essa história”. No recente aniversário de 55 anos do golpe, o presidente defendeu que as unidades militares comemorassem a data.
Neste momento, a renovação do contrato – até dezembro – aguarda a assinatura da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. O professor da Unifesp e responsável pelo Caaf lembra que o atual está sendo cumprido, mas a prorrogação está “no limite do tempo”. Das outras partes envolvidas, incluindo a prefeitura paulistana, não haveria obstáculos.
Teles destaca três dimensões do trabalho desenvolvido a partir das ossadas de Perus: histórico, de recuperação da memória, ético, ao permitir que as famílias possam enterrar seus mortos, e político, ao desvendar um “método de ação” que permanece até hoje. “É possível verificar uma correspondência de estruturas e estratégias repressivas do Estado. É um trabalho de entendimento do que seja violência do Estado”, afirma. Mortes, torturas e desaparecimentos foram marca daquele período e são práticas ainda comuns.