Anders Breivik x Justin Bieber

Atualizado em 30 de maio de 2012 às 16:05
Oslo está assim, como mostra a foto de Erika Nakamura

 

De Oslo

 

O que é uma sociedade madura?

Reflito sobre o que estou vendo em Oslo. Hoje, dois nomes dominam a cena na cidade.

Um é Anders Breivik, o assassino de 77 pessoas, cujo julgamento vai sendo feito na Casa de Justiça de Oslo, a Courthouse. O outro é Justin Bieber, o astro pop, na cidade para uma apresentação.

A reação da cidade é oposta.

Bieber provoca entusiasmo nas meninas de Oslo. Elas ficam em frente do hotel em que ele se hospeda, com declarações de amor singelas pintadas com caneta na testa, ou nos ombros, ou na roupa leve de primavera. Amo JB, elas estão dizendo. Um sabão mais tarde vai retirar as palavras amorosas destinadas ao ídolo.

Breivik causa reflexão – e não histeria. Não há aglomerações em frente da Courthouse. Os jornais e os telejornais não ficam criando um clima artificial de agitação por conta do julgamento. Não obstante, os trabalhos da justiça seguem e trazem novidades que vão permitindo enxergar melhor Breivik e o massacre. (Vi parte de uma sessão, num telão. O verbo é “vi” porque o norueguês é indecifrável.) O veredito vai ser muito bem fundamentado.

Isso se chama maturidade.

Se fosse no Brasil, imagino o estardalhaço que cercaria a mídia. Vejo chamadas lancinantes do Jornal Nacional, com a repetição de cenas que mostram os policiais fortemente armados na frente da Courthouse, ou as fotos de jovens vítimas. Posso ouvir, em seu gongorismo tonitruante, Jabor prever o apocalipse e exigir JUSTIÇA, em maiúsculas e com exclamação obtusa.

Isso tudo traria raiva, inquietação, medo, confusão – uma série de coisas ruins. Mas não traria luz.

Oslo está calma porque é madura até na mídia. Uma tragédia aconteceu, e é hora de entendê-la para evitar outras.

Vai-se formando o retrato de Breivik, com a mistura de depoimentos dos sobreviventes, dos amigos do assassino e dele próprio.

Os amigos contam que ele mudou há alguns anos. Não ligava para política, e passou de repente a só falar nisso. Num certo momento, largou o convívio social, e passou a ficar horas no computador, viciado em jogos violentos. Fez uma cirurgia no nariz para parecer mais ariano, segundo um amigo. (Ele diz que a cirurgia foi para corrigir o nariz depois de uma agressão de um paquistanês, mas os amigos que depuseram acham que ele foi atacado apenas imaginariamente.) Breivic se maquiava para parecer Beckham. Não há registro de namorada, e num depoimento uma amiga disse que achou que ele estava estranho por não saber, talvez, como assumir ser gay. (Ele nega.)

Todas as evidências sugerem que ele agiu sozinho.

Retrato de uma vítima, na frente da Courthouse, em Oslo: dor, sim, mas não irracionalidade

Num site de notícias locais, vejo uma pesquisa sobre o que deveria ser feito com ele. Morte, prisão ou internamento numa clínica psiquiátrica. Dois terços respondem que ele deveria ser internado. Também nisso você enxerga a maturidade dos cidadãos.

Oslo está alegre, desfrutando os raros dias de sol ao longo do ano na cidade.

Poderia estar amedrontada, acuada, intimidada.

Mas não. O sol enfim chegou.

A cidade faz seu dever de julgar um criminoso. Mas não transforma o julgamento num espetáculo de autoflagelação e a cobertura da mídia é serena, equilibrada, racional.

Isso se chama maturidade, e é uma grande virtude, penso com uma certa inveja e muita admiração.